quarta-feira, fevereiro 24

Um gosto de culinária

Após a morte de minha mãe, vi-me a braços com uma das tarefas mais penosas que uma filha nem nos seus piores pesadelos consegue imaginar. São mil e uma gavetas, armários, caixas, arcas por abrir, uma loucura de lágrimas tão violenta que julgamos não ser possível voltar a chorar.
Quem a conheceu, deve porventura imaginar o que nos deixou, mas até eu fiquei estupefacta com a quantidade de livros e revistas de culinária que encontrei. Para além dos óbvios (como o Pantagruel, edição dos anos 60), os meus favoritos são os cadernos escritos à mão, com muito cuidado, já com algumas folhas sujas de margarina, mas muito estimados. A minha mãe era mesmo assim, cuidadosa, com a letra uniforme, lindíssima, sem erros nem deslizes. São dezenas de receitas com referências a nomes de pessoas que ignoro quem possam ser ou ter sido. Tenho um frango da Maria Amélia (escola)*, uma tarte da Cristina, um bolo da Aninhas, um bacalhau da Gracinha, uns biscoitos da Maria (irmã da Isabel de M.) e tantas outras receitas cuja origem desconheço e que nunca me ocorreu perguntar (as mães não é suposto morrerem, pois não?). Não deixa de ser uma sensação curiosa, como se aqueles nomes se imortalizassem em mesas desconhecidas depois de lhes termos tentado copiar a mão certa de açucar ou o molho no ponto.
Isto a propósito dos programas de culinária que passam na televisão, vindos da América ou de Inglaterra, e em que aquelas alminhas (louras ou morenas) de mãos prodigiosas, nos fazem crer que é tudo fácil. Não é, claro está; aliás, aquilo é um monte de problemas, a começar nos garatujos-notas que fazemos nos primeiros papéis que temos à mão e que raramente conseguimos decifrar, quando escapam ao seu habitat natural que deveria ser o lixo.
(Continua)
*(1) Serve-se com arroz branco, (2) ou com mais ameixas passadas pela margarina ou ainda (3) rodelas de ananáz ". Obrigada Francisca (tia da Manuela), quem quer que tenha sido .
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