segunda-feira, abril 27

Dobras da vida

Repito hoje, com algumas alterações, um post que escrevi há uns tempos, e que é a continuação de um outro. A desfaçatez e a falta de educação com que abundante gentinha trata as chamadas "domésticas", é uma coisa que sempre me irritou.
Este apoucamento, traduzido em epítetos com cheiro a louça por lavar e roupa encardida, revela tristes mentes convencidas de superioridade intelectual a precisar de uma esfregona com amoniacal. Por mim, deixava-as de salmoura e punha-as ao sol a corar.
The Pretty Housewife - Modigliani
Aborrece-me a forma arrogante e displicente como são tratadas as mulheres sem ocupação profissional remunerada, a que dão o nome de domésticas. Como se a maioria das mulheres da geração da minha mãe tivessem tido as oportunidade profissionais e acesso a estudos académicos como hoje os conhecemos. Aliás a blogoesfera está cheia destes azedumes com palavras de menosprezo e desconsideração, procurando rebaixar as domésticas ao grau mais baixo da escrita. Sei bem o que querem dizer e onde querem chegar, mas não chegam aos calcanhares das "domésticas" da minha vida.
A verdade é que enquanto domésticas, eram umas excelentes domésticas. Dir-me-ão que eram tempos em que as capas das almofadas (vulgo fronhas) tinham botões e em que as melancias não eram vendidas às metades. É verdade. E também é certo que os tempos eram mais lentos e menos nervosos. Eram tempos em que se escreviam e liam livros com títulos como "Escola de noivas". A gente sorri ao ler "Se a fronha tem monograma ou qualquer outra aplicação de bordado, engoma-se primeiro a parte dobrada, pelo avesso. De seguida, engoma-se toda a peça pelo direito, excepto o bordado, e por fim dobra-se de maneira que o monograma ou bordado fique a um canto ou ao centro."
Só mais tarde, já mulheres, daríamos ouvidos às nossa mães, excelentes domésticas, recordando que quem boa cama fizer, nela se há-de deitar, metafórica e literalmente.

5 Comments:

Blogger Lina Arroja (GJ) said...

E não há nada que chegue aos belos lençóis de linho bem passados e engomados.:)
É verdade, Isabel, a forma como se menospreza o trabalho de gerações de mulheres cuja profissão era serem domésticas.
Na época havia orgulho em ser doméstica, coisa que hoje ninguém quer ser.

2:23 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Olá
Que não queiram ser, compreendo perfeitamente.
Mas o apoucamento com que fala das domésticas irrita-me até porque ela contribuiam de forma importante para a economia doméstica com o seu trabalho, dedicação, com as óbvias poupanças que isso acarreta.
Recorda-se das "Mulheres de Bragança" ridicularizadas até ao extremo? Muitas dessas mulheres foram companheiras dos seus homens desde muito novas, e com o seu trabalho (muito trabalho) permitiram aos machos terem uma vida melhor. Esqueceram-se de quem os ajudou a vencer na vida, a ultrapassar as dificuldades, a poupar e a ter a arca congeladora sempre cheia.
Eles tornaram-se uns "empresários" e ela continuaram a trabalhar em casa e a tratos filhos e da criação.Ingratos!!

2:34 da tarde  
Blogger Unknown said...

Olá Isabel! Aplaudo as suas palavras. O menosprezo de quem se julga superior é no mínimo bafiento e cheira a salazarismo.
Encontrei por acaso um post seu antigo chamado "Pérola de Cultura", de 6 de Outubro (não sei o ano), a propósito do quadro "The Banquet of Cleopatra" do Getty Museum. É muito engraçada a coincidência, pois "Pérola de Cultura" é o nome do meu Blog. Se quiser passe por lá. Um beijo.
http://peroladecultura.blogspot.com

12:06 da tarde  
Anonymous Patti said...

E o que dizer das mulheres que escolhem conscientemente ficar em casa com os seus filhos, hoje em dia?
Mesmo tendo uma vida rica e variada, com muitas amigas, muitos livros, muitos passeios, voluntariado, etc, e não vivendo em função dos meus filhos mas com uma grande disponibilidade para eles, continuo a sentir o ar condescendente de quem me pergunta o que faço, quando digo que sou Mãe a tempo inteiro.
Sim, porque, confesso, não me ocorre dizer que sou doméstica!!!

4:13 da tarde  
Blogger Lina Arroja (GJ) said...

Pois não, Patti. Eu também fiz essa opção durante um determinado período e sempre me senti uma privilegiada. E nunca me passou pela cabeça dizer que era doméstica, mas que fazia muito dos trabalhos domésticos, fazia.A questão é a atitude com que os outros olham para as mulheres que se sentem bem na sua pele. No entanto, não podemos esquecer que nós temos alternativas, enquanto as mulheres antigas não tinham. Nós podemos ter ou não condições financeiras para poder optar pela alternativa. As mulheres do passado não tinham, na maioria das vezes,nem uma coisa nem outra. Por isso eram especializavam-se no que sabiam fazer e que era tomar conta da casa e dos filhos.

7:13 da tarde  

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