Dobras da vida (2)
Recordo-me bem de quando ela começou a trabalhar. Com os filhos já criados, a quem ensinou diária e exigentemente a aritmética, ortografia, os rios, História, os caminhos de ferro, o ditado, a geometria, o corpo humano e a fotosíntese, com o jardim cultivado e a vida encaminhada, surge-lhe a oportunidade de "começar a trabalhar". Creio que por essa altura os tempos ainda não eram difíceis para um emprego, geralmente para o resto da vida.
Na família não havia tradição de as mulheres trabalharem. Depois dos estudos, em colégios mais ou menos longe da casa dos pais, vinha o casamento ou raramente um curso superior. Ia cada um à sua vida.
Uma correcção: todas trabalhavam (e muito), mas havia mulheres que tinham empregos, as solteiras. Mais tarde havia de surgir o Magistério Primário nas cidades do interior e muitas delas teriam o seu posto nalguma aldeia das redondezas ou mesmo na cidade.
Voltando ao princípio, lembro-me bem de como os horários mudaram a vida da família, porém sem atribulações, correrias ou desleixos, que tudo era ao virar da esquina. Tudo acabaria por entrar nos eixos e parecendo que não, os filhos agradeciam aquelas horas de liberdade sem vigilância. E ela tinha um salário, férias pagas, um maior desafogo financeiro, geria o seu dinheiro, fazia as suas contas, as suas poupanças e era senhora dos seus projectos. Fez amigos novos e muitos conhecidos, conviveu noutros ambientes, alargou conhecimentos, lá tinha as suas ralações, mas também um carro novo.
Trabalhou até a saúde lho permitir, em tempos novos de gente diferente, tempos sem altruísmo nem amizade, uma época bem diferente daquele primeiro dia em que saiu para trabalhar.
Poderia ser a história de tantas mulheres, mas é sobretudo a história de uma vida de trabalho, afinal a vida de tantas de nós.
No caso dela, minha querida mãe, uma história que terminou cedo demais.
(Texto já editado)
6 Comments:
texto já editado mas a minha comoção é hoje maior do que quando o li pela primeira vez .. depois tudo que li desde então nesta casa onde me sinto tão bem.
Abraço Miss Pearls *
De uma serenidade admirável e comovente este texto que nos fala dela, uma Senhora cuja história terminou cedo demais.
Permita-me que lhe dê um abraço, Miss Pearls.
Uma vida assim termina sempre cedo demais para quem está á sua volta.
Que bonita homenagem!
Obrigada a todos
Maria ISabel
eu gostava muito dela. muito, muito.
MM
Querida MM
Acredita que também tinha imensa admiração por ti. Ás vezes contava como ias vestida "Muito moderna, que lhe fica muito bem. Sempre sorridente"
Imagina do que me lembro.:)
Eu não esqueço quem a tratava bem. Também não esqueço quem a tratou mal....
Um grande beijinho
Darei noticias tuas brevemente as amigas que por lá tens.
Isabel
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