Dobras da vida
The Pretty Housewife - Modigliani
Ontem ouvi no no programa Eixo do Mal, Clara Ferreira Alves protestar contra quaisquer declarações dos outros participantes, creio que a propósito de uma militante do PSD, "O que tens contra as domésticas?" Não sei se o terá afirmado convictamente ou como forma de argumento de defesa. A verdade é que me aborrece a forma arrogante e displicente como são tratadas as mulheres sem ocupação profissional remunerada, a que dão o nome de domésticas. Como se a maioria das mulheres da geração da minha mãe tivessem tido as oportunidade profissionais e acesso a estudos académicos como hoje os conhecemos. Aliás a blogoesfera está cheia destes azedumes com palavras de menosprezo e desconsideração, procurando rebaixar as domésticas ao grau mais baixo da escrita. Sei bem o que querem dizer e onde querem chegar, mas não chegam aos calcanhares das "domésticas" da minha vida.
A verdade é que enquanto domésticas, eram umas excelentes domésticas. Dir-me-ão que eram tempos em que as capas das almofadas (vulgo fronhas) tinham botões e em que as melancias não eram vendidas às metades. É verdade. E também é certo que os tempos eram mais lentos e menos nervosos. Eram tempos em que se escreviam e liam livros com títulos como "Escola de noivas". A gente sorri ao ler "Se a fronha tem monograma ou qualquer outra aplicação de bordado, engoma-se primeiro a parte dobrada, pelo avesso. De seguida, engoma-se toda a peça pelo direito, excepto o bordado, e por fim dobra-se de maneira que o monograma ou bordado fique a um canto ou ao centro."
Só mais tarde, já mulheres, daríamos ouvidos às nossa mães, excelentes domésticas, recordando que quem boa cama fizer, nela se há-de deitar, metafórica e literalmente.
9 Comments:
domèsticos sâo os animais suponho que porque foram "domesticados"...é de certo um termo mal aplicado a senhoras com muito trabalho para manter um lar em ordem em todos os aspectos.
subscrevo Miss Pearls, se me é permitido...
À minha mãe, uma senhora que vi deixar de trabalhar fora de casa para se dedicar à família, jamais etiquetei de doméstica. E tão circúrgico que é o último parágrafo de um texto bom de ler que subscrevo sem reservas, Miss Pearls.
E o que é certo é que ninguén o faz melhor que elas.
As minhas fronhas possuem botões. Felizmente.
Não conhecia este Modigliani. Incrivel!
As mulheres que têm o despautério de rebaixar uma «doméstica» revelam pouca inteligência.
Falam de uma experiência de vida que não tiveram e lhes faz falta ou, se complementam a sua actividade remunerada com essa, e se o fizerem como se deve fazer tudo na vida, são mais escravas e menos abensonhadas.
Haja respeito, para que nos respeitem, mulheres.
Hoje poucas mulheres podem ou querem ficar em casa a tempo inteiro, mas essa escolha não é nem nunca foi indigna. Não sei como é noutros, mas no nosso país convive-se consistentemente mal com o que fomos no passado: é a vergonha dos antepassados rurais, é a vergonha dos antepassados pobres, é a vergonha dos antepassados coloniais, e por aí a diante. Este post é absolutamente certeiro.
[beijinhos, MissP]
"é a vergonha dos antepassados rurais, é a vergonha dos antepassados pobres, é a vergonha dos antepassados coloniais, e por aí a diante"
Tens razão querida Ana Cláudia. Imagina que no outrodia ouvi uma teoria sobre o motivo porque os lisboetas gostavam tão pouco de +arvores : porque lhes recordava um passado rural do qual se envergonham ou do qual não se querem lembrar :)
A diferença é que dantes, nãohavia escolha. A vida escolhia por elas. Sempre achei que eram mulheres muito sensatas e muito sábias à sua maneira. Muito boas avaliadores do carácter humano.
Eu sei onde e azedume quer chegar e quer atingir. Felizmente, eu já tenho idade para estar imune. :)
Obrigada a todos
Uma evocação comovente e um excelente tratamento do tema.
MJ
O lugar das mulheres é no mercado de trabalho e não como donas de casa, papel que as torna cidadãs de segunda, quer queiram quer não queiram.
Ah, e cretino é o homem que tolera que a respectiva não esteja a trabalhar.
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