Da ocultação
Aos meus mortos, mãe, pai, Bainha, que me amaram sem condições. Todos os avós e amigos que partiram demasiado cedo.
Volto ao artigo do Pe.Anselmo Borges sobre a morte. Trata-se de uma abordagem principalmente antropológica sem remeter o tema para uma dimensão teológica, o que também me interessa. Escreve o autor que "Para perceber uma sociedade, talvez mais importante do que saber como é que nela se vive é saber como é que nela se morre e se tratam os mortos". Tem razão quando afirma que a morte existe clandestinamente porque silenciada. E anti-social, acrescento eu. Não se expõem as feridas, não se mostra luto, esconde-se o sofrimento pelo pudor da compaixão. Em suma, a morte é uma coisa socialmente maçadora: "É de mau tom e mau gosto deixar aflorar esse tema.
"Reconheço que seja por simpatia, por gentileza ou até por amizade que se pergunte a alguém a quem morreu alguém que se ama, (odiosa palavra, essa de falecer) "como te sentes?" Naturalmente não se esperam longas respostas sobre estados de alma, tristeza, saudade ou perda. Não há tempo. Não é para isso que se pergunta. Pelo contrário, as respostas são quase sempre vagas, com receio de incomodar, uma duas palavras na esfera do privado, mas quase nunca no domínio do íntimo. O sofrimento pode ser socialmente estigmatizante. Fica mal numa sala. O preto é chic. O luto não está na moda.
Hoje ouvi desejar um bom feriado a alguém com muitas mortes na alma. Foi por simpatia, decerto. Mas não consegui deixar de sentir qualquer coisa de errado. Um bom feriado?
Afirma o Pe. Anselmo :"Numa sociedade para a qual a morte é tabu permite-se que os mortos visitem os vivos dois dias no ano: 1 e 2 de Novembro. Os cemitérios enchem-se e a morte e os mortos abrem à transcendência, porque obrigam a pensar". Talvez. Estamos todos ali no mesmo chão, sem nos olharmos com estranheza, sem a tirania da piedade nem a ocultação da alma. Somos todos iguais. Só as flores serão diferente.
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