Santo António,
Naturalmente, tinhas hoje na tua estátua mais flores do que é costume e não pude deixar de pensar no muito que tens assistido lá do alto do teu silêncio. Tu, um Doutor da Igreja, um homem do mundo, viajado, e com a tua experiência, muito te pedem a troco de um ramo de flores. Quantas promessas deves ter escutado, quantas juras de amor, uma companhia, um marido, aquela mulher, suspiros e lamentos de corações desavindos. Bem sei que nada prometes e certamente tantas vezes aconselharias prudência. Homem inteligente, conheces bem os desacertos da alma e as fraquezas do homem. Se calhar, mais da mulher do que do homem. São talvez elas que te levam as flores, lhes escutas as anseios e lhes amparas a tristeza. Provavelmente, no final de tudo, vêm cobrar-te as desilusões e culpar-te da sina, gente de jura fácil. Até à próxima, nova promessa, novas flores. Que não lhes doa a memória. Depois do esquecimento, passado o despeito, e por vezes, a culpa, volta de novo a fé e quantas vezes a felicidade.
É a vida de um santo casamenteiro, conciliador de casais, como reza a lenda, festejado pelo povo que lhe adorna o altar. Nas ruas de Lisboa e Pádua, em orações, porcelana, granito, cristal, barro ou imagem de papel, é o santo dos que acreditam, dos que querem acreditar ou dos que não acreditam em mais nada.
Amanhã tens de certeza mais flores frescas. É o que está escrito nos versos dos manjericos.
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