quinta-feira, março 8

O silêncio da inocente

Aproxima-se à socapa. Ouço nas minhas costas um ruído metálico. Uma deslocação pela esquerda e só me dá tempo para ver, de raspão, um objecto reluzente junto à minha orelha. Segue-se um movimento furtivo pela direita e vejo cair nos ombros e no chão uma mancha escura de uma coisa que me pertenceu e que tratei com tantos euros e com carinho, shampô caro, creme amaciador e máscaras hidratantes a vapor. Tento vislumbrar nos olhos do algoz alguma réstia de loucura que me leve a fugir dali, mesmo com a toalha nos ombros e com pinças apalhaçadas. Fecha-se a revista e olha-se desconcertadamente para o espelho. As mãos do verdugo continuam a despojar-me e aquele friozinho na nuca não augura nada de bom. Aproxima-se entretanto uma mulher de cabelos vermelhos e amarelos que me pega nas mãos, mergulha-me os dedos numa tina parecida a bola de bowlling: redondas ou quadradas? O importante é policiar o espelho. O carrasco olha com vaidade para a obra prima e dá-se por satisfeito. A desgraçada, na cadeira de polé, procura a aprovação da assistência mas só encontra olhares piedosos. Vendo bem, Sansão foi um sortudo: estava a dormir e não deu por nada.
(Já editado)

3 Comments:

Blogger Maria de Fátima Filipe said...

Uma descrição fantástica! (é a primeira vez que leio este post)

Está na hora do tratamento capilar da Primavera! Ui, mais um ror de dinheiro...
:)

10:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Mas de vez em quando sabe bem que tratem de nós. Por vezes penso que era mais feliz quando ia ao cabeleireiro. E nem sequer era mais pobre...

2:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Devo ser a única que nunca tinha lido este texto!
Fiquei encantada.

5:39 da tarde  

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