Espaços § vidas
Há quem se aborreça de viver na cidade, no anonimato, ou melhor, num prédio sem alma, ao som do elevador, dos bons dias, das boas noites, obras no terceiro esquerdo, obrigada, feche a porta para sua segurança e publicidade aqui não, obrigada.
No entanto, há alguns dias, uma amiga estava encantada por finalmente ir viver para um condomínio fechado, tipo Dallas, com espaços comuns, jardim acanhado, sistemas de rega, baloiços, cartão de segurança e varandas T0 mobiladas a rigor. Confesso que não fiquei muito entusiasmada com aquela vida comunitária. Achei os vizinhos do duplex superior uns metediços, os meninos do rés do chão muito impertinentes, e a não ser o casal recém-casado, indiferente à exaltação causada pelos maus acertos nos mármores, arrepiou-me a intimidade a que estavam obrigados os habitantes daquela espécie de bunker para ricos. Ainda a tentei demover com conversas sobre privacidade, excessos de zelo, desmazelo, contas em atraso, cenários ruidosos de brigas familiares, mas nada a demoveu. São gostos, e acabou ali a conversa. Hei-de voltar lá um dia destes para confirmar se ainda se mantém a fraternidade compulsiva daquelas famílias entre muros.
Nas ruas da minha aldeia e avenidas da minha cidade também nos tratamos pelo nome, num espaço público onde não há direitos de admissão mas com direito à indiferença, ao distanciamento e à reserva. Nas minhas ruas e avenidas, não obstante as partidas e os escassos reencontros, nascemos, crescemos e somos enterrados juntos. Nos nossos prédios, nas nossas casas, outrora de chave no lado de fora, a cordialidade tem o nome do pai, da mãe, do vizinho que adoece, da visita sem hora nem cartão, do colega do liceu, dos donos das lojas, das vendedoras da praça ou dos filhos herdeiros do café. Cada vez menos, mas apesar dos rostos envelhecidos e dos desaires da vida, ainda lá estão os nomes. Nas ruas da minha aldeia e nos passeios da minha cidade, a convivência não tem recibo de condomínio. Porque we care.
12 Comments:
Carissima Miss Pearls,
Dê tempo ao tempo e vai ver que a sua amiga lhe dá razão. Abastados não siginifica, de todo, educados...
As vezes encontra pessoas mais bem formadas - digo educadas - em Bairros Sociais do que em Condominios desse tipo... Aliaz perto de si tem exemplos desses...
Bom fds,
Ja sabe quem foi... :-)
Olá.
No último ano descartei tudo o que me agrilhoava ao "esquema".
Troquei o emprego corporativo por um negócio pequenino, próprio, a ensinar miúdos a pensar - e a ter boas notas ;)
Desisti de um relacionamento no qual me sentia mais só quando sim do que quando não.
Mudei de casa, da comodidade tipo "tudo a 5 minutos" para o bosque sombrio e cheio de silêncios incontornáveis.
Ainda hoje me pergunto como foi possível ter dado 11 anos a uma vivência diferente da que hoje tenho. Depois encontro os meus ex-colegas e compreendo tudo, compreendo os atilhos, o sufoco, a ilusão de necessidades auto-impostas.
Bom blog.
O post é bom, como de costume Miss Pearls. Não vale a pena tentar convencer essas pessoas, porque simplesmente não querem ser convencidas. Esta semana tive um telefonema de uma amiga, a justificar-se porque ía para uma coisa desse tipo. Assim o miúdo podia brincar à vontade no jardim, disse ela...ía convencê-la de quê, que argumentos usar? Respondi, se gostas da casa vai.
:)
São os novos ELDORADO e o seu apelo constringente para quem não reparou que a alma tem outro quilate... ;)
Quando penso na tirada de JP Sartre de que o inferno são os outos, penso logo na vizinhança. O povo não está ainda adaptado à convivência urbana, e é óbvio que o condomínio fechado é a experiência mais rematada de desenraizamento hobbesiano. Não tarda nada o pessoal vive nos bunkers à brasileira ou à angolana - tendo que passar os tempos livres a contemplar a vizinhança, em circuito fechado.
SIm, Jansenista, sei que este sistema há já muito que existe no Brasil, mas agora pegou a moda por cá.
Depende do género de condomínio, não é?
Acredito que as pessoas se sintam mais seguras e possam partilhar as despesas dessa seguança, lavandaria, jardins, etc.
O que eu vi, não gostei. Mas já vi outros fabulosos.
Haverá algo melhor do que viver numa casa com terreno à volta?... Terreno que chegue para nem sequer me lembrar que, ali, a 500 metros de minha casa, mora o Sr. Silva-de-bigode-em-riste, e que me diz mais vezes "bom dia" do que as vezes que passo por ele
?... Há algo melhor para viver?... A 5 minutos de uma cidade qualquer?...
Pois não há. O que há são gripes como esta que eu estou a tentar debelar a todo o custo - até porque dizem que elas, as gripes, estão mais perigosas do que nunca.
Mais perigosas que um vizinho indesejável?....
Contra as gripes, ainda se compram certos remédios como... os "antigripe". Contra certos vizinhos...
Alguém me pode dizer qual a farmácia onde posso comprar um... "antivizinho"?....
Miss
Do cafe Rampa,It's, da unica discoteca, do Batata, do cinema todos nos conheciam. Iam chamar nos á mesa quando dos pais ligavam para irmos para casa.O dono tinha sido empregado do Hotel Turismo onde os nossos pais iam, o empregado da bilhiteira era o senhor da espingardaria onde se comprava os cartuchos para a caça. Demoramos horas a chegar a qual qulaquer lado, temos que falar a muita gente e tamboem passar muitas vezes para o outro passeio para não termos que falar. A chegada semana do jornal local é sempre uma alegria. Pousar os olhos daquele jornal é aquecer o coração, As amigas das mães já andam devagar e os amigos dos pais já não caçam. Já morreram muitos de nós. Mas nesses sítios, há sempre quem se senta ao nosso lado em frente a um um rectangulo de madeira com uma cruz pousada em cima, quem suba a ladeira e nos dê a mão, quem mude a água ás flores, quem se lembre de que nesse dia ficamos sem vida, quem vai á visita das 15 horas no hospital, quem vá conosco á mega loja China Feliz, quem perceba os nossos risos e as nossas mensagens em código, quem se alegre com as nossas alegrias, quem telefone para saber se estamos melhor quem nos dê romãs e azeite e broas de mel. Qeum nos trate por comadre e madrinha. Quem saiba o nome de todos os da nossa família. São esses sítios que fazem as pessosas serem pessoas, porque unicas e porque são de um sítio. Não são os muros cercados de casas de luxo todas iguais, que nos faz donos de algum sítio. è bom ser de uma terra onde ainda há tinta para o cabelo com emabalagem dos anos 70, que embrulham as coisas em papel pardo, onde perguntam "a memina quer alguma coisa"? ou então ouvir a expressão que me acompnha na vida "está lá alguem?", quando queríamos saber se estava alguem conhecido.
E depois, só na nossa terra se vêm as estrelas e há noites quentes e sem vento, que estávamos horas e horas no banco do jardim o , e se durmia com todas as janelas abertas.
Miss, para acabar ponha nos seus favorites o fabuloso site http://www.musicovery.com/
Ouça e lembre-se que pertencemos a a um sítio, e que esse está lá, e não tem cercas, nem muros, nem gente que sai e entra. Esse nosso sítio tem gente.
T
Eu mudei de uma cidade grande para uma praia deserta. Não tenho do que reclamar. Mas falta assunto para uma crônica como essa. Gostei.
é verdade que a partilha dos custos de determinados serviços é confortável, mas se essas necessidades não fossem criadas, viveríamos bem sem elas. digamos que a "oportunidade faz o ladrão". não sou contra os condomínios, mas não troco a minha vida de "vila" por nada!
Que bom poder viver em bairro lisboeta, poder ir ao café da esquina e cruzar-me com os transeuntes anónimos. Há vários tipos de "guetto". Os condomínios fechados são um deles.
A questão, Miss Pearls, é: de que têm eles medo?
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