terça-feira, março 27

Como os outros



Vejo-os debruçados nos eléctricos e autocarros, de câmara em riste e guia na mão, calcorreando as ruas e espreitando vielas à descoberta daquele canto, de um qualquer azulejo desconhecido, movidos pela curiosidade ou simplesmente perdidos pela cidade. Sortudos, sobem e descem a calçada com a boa sandália que nós, simples índigenas, entre o emprego e uma fuga rápida, não podemos usar. Revejo-me neles em terras estranhas, curiosos e disponíveis, por entre igrejas, monumentos e garrafas de água, andarilhos de mapas e mochila, uma fotografia aqui, um filme ali, uma sombra ou uma mesa.
Entram nos cafés com discurso arranhado em língua estrangeira e por vezes lamento-lhes a escolha, defraudados por menus plastificados e confecção manhosa. Temos pena, amigos, mas é assim; já passei pelo mesmo.
Descabelados e coradinhos, lá vão espiolhando as indicações do guia, porventura mais conhecedores da história do que os autóctones, mas invejo-lhes a desenvoltura como lêem mapas, numa cidade onde falha a sinalética e a orientação turística. 
Revejo-me neles à descoberta de recanto perdido sugerido pela literatura ou por ouvir dizer. Não é certo que nos encante, mas tem que se ver. Ir para contar, isso é bom. Confesso que sou mulher de American Express; coisa geral mas organizada, bairro a bairro, instruções à risca por falta de orientação, que já me conheço. Deixo os pormenores para mais tarde, caso haja a possibilidade de voltar. Deixo os locais escondidos para outros guias com segredos e insólitos, uma curiosidade estudada em textos elaborados, coisas de escritores por terras estranhas em hoteis caros e mesas fora do meu alcance.
Raramente nos confudimos com os residentes; em cada turista há uma atenção redobrada, uma curiosidade que nos distingue, uma palavra que nos revela, um gesto que nos descobre. Somos os outsiders em terras estranhas, bons para a economia, quantas vezes com hábitos estranhos e comportamentos bizarros, de uma excentricidade solta fora de portas, estranhos libertos em terras estranhas, com objectivas à medida dos olhares de cada um.
Revejo-me neles à procura de um banco ou de uma sombra, entre visitas ou sem horários, interessa tudo ou quase tudo seja em destinos exóticos ou por terras cosmopolitas. E não faltam as comparações com as origens, para o bem e para o mal, que a viagem tem regresso marcado para mais tarde recordar.
Nunca se deixa de sentir entusiasmo por novos lugares mesmo que por lá já tenhamos andado. Com sorte, este ano será um bom ano: viajar nem sempre obriga a livros de instruções.  

1 Comments:

Blogger Pinky said...

é tão bom ser turista. dá uma invejazinha quando se passa na rua e vemos aquele olhar de descoberta que trazem...

11:15 da tarde  

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