quarta-feira, abril 27

Horas assim

Chovia forte naquela noite aziaga após um velório e uma chatice com o carro. Aquele nervoso da morte à minha frente é muito duro. Creio ser capaz de o explicar, de o escrever, mas não quero. Talvez um dia, mas é sempre cedo de mais. O corpo estava moído, a cabeça cansada e queria chegar.  Paro numa estação de serviço para uma garrafa de água, uma espécie de paleativo para o corpo acalmar a alma.  Nem sei bem. De regresso ao carro, um estupor estaciona o topo de gama a centímetros da minha porta do lado do volante. Olho para o interior e um aleijão em forma de mulher com os dois filhos gozam a minha ginástica para entrar pelo outro lado. Deliram com a minha dificuldade em tirar o carro praticamente colado ao carro deles. O coirão da mulher sentada na viatura do marido mal educado que vejo às compras na estação de serviço, vai trocando uma larachas com os ranhosos júnior.  Desisto de manobrar o carro e espero que o ricaço tire a viatura sem dificuldade e sem um pedido de desculpas. Fico sem saber o que pensar desta gente, ou melhor, sei muito bem quem é esta corja: aquilo que eu não sou.
É fácil a vida desta gente, indiferente aos outros, safam-se melhor. São desenrascados e egoístas, os pais e os filhos que logo cedo são ensinados a safar-se depressa e bem.  Nada a estranhar numa sociedade em que tantos cidadãos atiram a matar com as suas máquinas para alvos em movimento ou até mesmo parados. 
Há horas assim.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Transcende em muito o mero aspecto do nosso comportamento como automobilistas. É a forma de ser de (quase) todo um povo esmagadoramente grosseiro e historicamente embrutecido: profundamente "chico-esperto"; apostado em "safar o seu a todo custo e quem vier a seguir que se amanhe"; convencido de que leis e regras se lhe não aplicam, excepto quando favoráveis; com uma noção não mais do que vestigial do que seja escrúpulo.

Apesar disso, há ainda quem se espante com a nada negligenciável possibilidade de que o resultado de cinco de Junho próximo mantenha os mesmos - não mais, afinal, do que a materialização "sofisticada" e bem sucedida desse povo - no poder.

E nós, somos e seremos exilados na nossa terra.

Costa

9:51 da tarde  

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