1907
Corria o ano de 1907, limiar da Implantação da República. Em Fevereiro desse ano, foi aprovada a lei que reconhecia a liberdade de associação sem autorização prévia, realizava-se em Lisboa um grande comício a favor da liberdade de Imprensa e, no dia 26, o presidente da Associação de Agricultura renunciava ao seu mandato de deputado, em forma de protesto pelo modo como o governo procedeu na questão vinícola. Os movimentos feministas faziam-se sentir em Inglaterra, França, Itália e nos EUA.
Por cá, Virginia Quaresma escrevia assim no jornal "O Mundo": "Não; não julguem, não devem crer que possamos incitar a mulher portuguesa a reclamar o direito do voto, a investir-se na autoridade de magistrado, a cair no erro desastroso de proclamar o amor livre e de tudo querer ser nos domínios políticos e morais da nossa sociedade. (...) É perante uma vergonha estatística (2 406 245 mulheres analfabetas) destas que é necessário julgarmos com serenidade e critério imparcial o que pode e deve ser o feminismo em Portugal.
Completamente analfabetas, sem uma educação moral capaz, sem o espírito fortificado para os embates sociais o que se pode dizer no jornal ou na tribuna a mulheres assim? Para serem exigidos direitos é necessário primeiramente que sejam exigidos deveres. Os grandes ideais politicos não se proclamam quando as nacionalidades ainda estão embrionárias e o espírito dos povos adormecido. (...) O anarquismo em teoria, a moral científica tudo isto nos faz praticar o Bem, enaltecer a Verdade, adorar a Justiça, independentemente de leis, de peias ou de convencionalismos é, na realidade, um Ideal sublime que nos conduziria à perfeição, mas poderá ser compreendido por todos (.... ) Ideias excessivamente avançadas em meios acanhados, dão resultados contraproducentes e se bem auscultarem os acontecimentos históricos com critério são e imparcial, hão-de convencer-se desta grande verdade, (...) Schoppenhauer, Montaigne, Voltaire e tantos outros filósfosos com individualidades bem demarcadas na História do Livre Pensamento, frisaram em vários pontos das suas obras este princípio como devendo servir de lição a toda a humanidade.
É necessário que as feministas portuguesas tracem um programa criterioso de acção prática. Ponham-se de parte exaltações ridículas, ideias prematuras, combates tão violentos como inúteis e coliguem-se fraternalmente as intelectuais portugueas, a fim de contribuírem para que decresça este número aterrador de analfabetos.
Lembrem-se de que a "educação" está tão pouco difundida em Portugal como a "instrução" e de que certas doutrinas, expostas ao nosso meio feminino tão ignorante e inconsciente, trazem retrocessos socias e não os progressos que, por ignorância ou por uma quimera desculpável, se julgam assim atingir.
Não estamos na Inglaterra nem nos Estados Unidos ; encontramo-nos em Portugal com uma percentagem de analfabetos que nos deve envergonhar e fazer acordar a voz da consciência.
(...) Fundem-se primeiro do que tudo escolas femininas, equilibre-se o espírito da mulher com uma educação moral forte e orientada, levante-se-lhe bem alto a noção da dignidade, inocule-se-lhe o dever da virtude e do amor da caridade. Em campo prático, sem discuros espalhafatosos, sem correrias desnortedas é esta a missão, a verdadeira e nobre missão a que se deve por enquanto impor o feminismo em Portugal.
Virginia Quaresma
[O Mundo. Lisboa, 9 Fev. 1907. P. 4, coln. Jornal da Mulher]
in "1907: No advento da República" . Lisboa: Biblioteca Nacional, 2007
(Imagem de “Portugal Século XX”, de Joaquim Vieira, a partir da Bib Esc. Serpa)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home