No seu lugar
E quando os objectos fogem dos seus lugares? Mas como surgem ali, onde não nos recordamos de os lá ter colocado? Verificamos se a coisa ganhou asas, rodas ou patinhas, mas nada. Como terão chegado aqui a este sítio onde não era suposto virem pousar? Um papel, caneta ou caixa que aparece em gavetas que há muito não abrimos e eis que, inesperadamente, objectos esquecidos tornam-se indispensáveis, saudados, irreconhecíveis.
Nem sempre são boas surpresas. Algumas vezes achamos graça, tem a sua piada rever isto ou aquilo, recordação boas da sua fugaz existência. Mas também damos de caras com as que abrem feridas antigas (por algum motivo ali estavam), à espera de serem esquecidas. Não existindo impedimento para irem direitinhas ao lixo, não se percebe porque se deixam ficar na gaveta até nos esquecermos de que existem, ou até à próxima vez para voltarem a ser surpresa. Há sempre uma ou mais gavetas habitat natural de coisas inúteis, mas quase sempre com uma história ou à espera de uma (nova) oportunidade. São gavetas com memórias, como aquele novelo de linha branca, o bloco da batalha naval (há que anos!), um dado perdido, molhos de chaves ou botões de origem incerta. Até ao dia em que tudo há-de voltar a ser surpresa de novo. We outgrow love like other things And put it in the drawer, Till it an antique fashion shows Like costumes grandsires wore.
Emily Dickinson
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home