terça-feira, janeiro 12

M.

"É da mudança de idade", afirmavam umas. "São coisas do divórcio", ouvi-as eu repetir desdenhosamente, eram amigas dela, umas peruas ruins que adoravam exibir socialmente o seu sucesso matrimonial mas depois, ia-se a ver, e as vidas não eram assim tão lindas (cala-te, boca!).
A coisa era simples e queria eu ter tantas notas de mil como mulheres confusas no meu consultório após um divórcio. Pois contra qualquer previsibilidade (julgava eu que a conhecia bem), a M. passou por uma fase complicada, digamos assim. Um dia apareceu loura e na semana seguinte mudou o visual para coisa mais arrojada (diga-se de passagem que aqueles trapos caros com pioneses dourados, os casacos curtos de pele e o arraial de bijuteria lhe ficavam muito mal, mas caladinha que nem um rato).
Eu ia dizendo que aquela modesta (mas cara) euforia era coisa passageira, mas se fosse para ficar, que sim senhoras, qual era o problema. A conversa acabava sempre com um revirar de olhos ou um complacente encolher de ombros. Desconfio mesmo que achavam a minha opinião muito pouco estimável :"Nunca te casaste, como podes perceber estas coisas?" Deviam estar todas num estado de graça a que eu nunca poderia aceder.
A verdade é que o marido tinha voltado a casar, mas ao tempo que estavam divorciados, pelo amor da Santa! Parece que era uma antiga colega de escritório, quase com duas dúzias de anos a menos que ele e que fazia as delícias da filha mais nova, pois já as tinha ouvido ao telefone trocar informações sobre sítios cool e roupas fixes. A filha mais velha não queria maçadas e o miúdo estava na fase Milo Manara em paixão episódica pelas ondas e por meninas com fatos de surf. Tudo normal.
Sentindo-se meio perdida, centrou-se nas massagens com pedras quentes, solários, ginásio até rebentar, fez-se loura, e afirmava a pés juntos que queria tudo a que tinha direito. A tudo dizia que sim, quem era eu para julgar, não faltava mais nada, mais uma moralista com sentenças. A situação estava de tal forma apardalada que cheguei a temer o pior: que criasse um blog. Parecia estar já a imaginar o título, daqueles rosadinhos lamurientos cheio de falsas resoluções, juras de amor próprio e, mais grave ainda, do género confessional. Graças a Deus que não se meteu nisso. Provavelmente seremos das poucas pessoas que não lêem blogs e vivem bem com isso. Adiante. Ao fim de meia dúzia de meses, cansou-se de tanta energia, de um esforço que não lhe era natural, tirou a tinta do cabelo, largou o solário, desembaraçou-se dos ornamentos e do folclore, e regressou à velha e monótona vidinha que conhecia. Ou melhor, que ambas conhecemos. Há dias, depois do consultório, como combinado, passei buscá-la a casa. Dessimuladamente, reparei que já se tinha livrado de muita coisa, até daqueles horríveis chinelos de quarto. Em compensação, arranjou um espectacular saco de água quente.

4 Comments:

Blogger Lina Arroja (GJ) said...

Fez-se luz dentro dela. Ainda bem.:-)

9:53 da manhã  
Anonymous xixao said...

Excelente! Grande retrato. Parabéns, Miss Pearls.

3:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ei-la de volta, Miss Pearls.
Que bom.
TeB

11:28 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Isto não era para ser nada assim. mas vi um saco de água quente fantástico (o saco e e o padrão do saco) não resisti;)

2:50 da manhã  

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