Lugar 45
"Já nem um cigarro se pode fumar", queixou-se impaciente, enquanto as letras da revista iam saltando sob os olhos sem concentração nem interesse. Pela vigésima vez, olhou para o quadro electrónico à espera da hora de embarque, enquanto via, pelas grandes vidraças o avião que a haveria de levar a ela e mais aquelas dezenas de passageiros para o mesmo destino mas por motivos diferentes. Apertou o saco entre os joelhos, satisfeita pelos cremes contados na medida certa que a livravam das maçadas das medidas de segurança, e com o que haveria de vestir e despir. Disfarçou um sorriso acomodando os óculos.
Mais uma corrida, nova viagem, a mesma ansiedade, que o coração batia sempre mais depressa um ou dois dias antes, numa intranquilidade que nunca se dispusera apaziguar. Lugar 45, enquanto saudava alguém da tripulação já conhecida de viagens anteriores e segurava o saco, o bilhete e se agarrava à expectativa da chegada.
Que estranha forma de amar alguém, entre check-ins, nécessaires à medida, cafés horríveis, bancos apertados para tanta perna, zumbido nos ouvidos e os malditos cacahuètes que lhe davam sede. E depois, o pior de tudo, sempre o tempo, as horas lentas da partida, o contra- relógio da chegada, a contabilidade dos minutos por gastar, nunca o suficiente para as conversas da vida e para o silêncio sossegado que os libertava.
Estranha forma de levar a vida entre cartões de embarque, saudades, agendas, calendários, amor à pressa (maldito despertador), ela dizia esperança, ele chamava-lhe expectativa, nenhum deles falava de planos, e o avião atrasado. À sua volta vê o empresário de nervoso miudinho, o eurocrata elegante, os reformados em turismo, os jovem do Erasmus, mais homens de negócios e mulheres com pastas habituadas a rápidos regressos. "Andamos ao contrário", pensou, "com os abraços nas partidas e a indiferença nas chegadas. Não chego só a outro lugar, chego para alguém", esquecendo-se de quantas vezes desejou o contrário. Mas ali, perto do lugar 45, a ansiedade afastava os desejos escondidos da nostalgia das partidas a que assistia ao longe. "O importante é chegar", parecia dizer-lhe o coração que batia mais depressa.
Por fim, um novo olhar e, sem ressentimentos nem mágoas, apanhou o saco, segurou o bilhete e agarrou-se à expectativa da chegada, nessa estranha forma de levar a vida que era a sua.
Segurou-lhe as mãos, entrou-lhe pelos olhos verdes e apanhou o saco. "Fica-te bem o novo baton".
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