quinta-feira, julho 30

Comer sem amassar

Está cada vez mais complicado encontrar pão decente. Se não está cru, está cozido demais, se não está amassarocado, está oco, parece feito a martelo, à pressa, fermentado até à exaustão, farinhas mal escolhidas, intragável no dia seguinte. É raro podermos ter o prazer de o comer em condições, feito em fornos com qualidade, ingredientes escolhidos com critério e brio pelo produto final. São, tristemente, na sua maioria, umas mixórdias embaladas sem aroma nem sabor.
Há algumas excepções, mas não são fáceis de encontrar, como me dizia há dias a proprietária de um estabelecimento de qualidade que orgulhosamente me exibia o pão cozido em forno de lenha que me deu a provar logo ali. E eu, continuo sem perceber o motivo de tanta mediocridade, porque fazer bem custa tanto como fazer mal, mas devem ser coisas de uma beirã habituada ao cheiro do pão cozido na forno improvisado na garagem da minha madrinha. Era um pão branco cortado em fatias grossas, feito para durar, guardado no fresco e no escuro. Não há dia que Deus mande ao mundo que não me lembre de tanta falta que também ela me faz.
Mas já houve tempos em que o pão se podia escolher, em que o padeiro fazia a diferença, tal como agore se escolhe nem sei bem o quê. Quando as aldeias tinham gente e padeiros, escolhia-se a dedo (e a cheiro?) a qualidade do pão, coisa que eu não percebia, mas só tinha instruções para ir a um em especial. Nem sequer me recordo do tipo nem do preço, mas lembro-me de um papelinho na bolsa do pão com as indicações. Era assunto que deveria ser tratado com hora marcada de acordo com as fornadas do dia. Não havendo, era caso para se atravessar a aldeia, um fim do mundo, para lá da igreja, queixava-me cheia de razão e de preguiça, que a ladeira ainda hoje me custa a subir.
Talvez por isso, acho graça às provas de azeite que os resturantes tipo fino vão colocando nas mesas. É possível que haja por aqui quem se recorde dos lagares familiares, no paleolítico da PAC e que porventura até tenha entrado num deles em período de fabrico de azeite. O cheiro não era o melhor, mas tinha os seus segredos, como uma tiborna de bom pão ou torrado ali mesmo regado de azeite. Durante anos, tive um capacho à minha porta a fazer de tapete. Levou o mesmo sumiço que o pão de qualidade e os lagares por esse país fora.

4 Comments:

Blogger patrício said...

Concordo. Um país demasiado ASAEado e quequezinhos pseudo-sofisticados que fazem cruzadas pelo teor de sal no pão. Mas isto é o meu Ego cínico a falar. Dá-lhe para isso quando penso no assunto
.

11:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Que saudades,do pãoe do azeite.As coisas simples são difíceis.Olhe que é muito mais fácil fazer mal.

7:56 da tarde  
Anonymous http://shakermaker.blogs.sapo.pt said...

Ora viva!

Por acaso, sinto que tenho alguma sorte em ter uma boa padaria perto de casa. Há muito que desisti de comprar pão em supermercados pois, na maioria dos casos, é relamente intragável. Para isso, mais vale comprar um pacote de "Bimbo".

Por outro lado, parece que nos últimos anos nos esmeramos na produção vinícola. Os vinhos são cada vez melhores, mas se calhar porque o intuito é exportar. Logo, desinveste-se noutras coisas - como o pão.

Um abraço...
shakermaker

11:15 da tarde  
Blogger adsensum said...

Concordo inteiramente.
Sobre este assunto, escrevi faz agora um ano:
http://adsensum.blogspot.com/search?q=p%C3%A3o

1:01 da tarde  

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