quinta-feira, julho 10

Publico & Privado



Olho para a mulher dentro da viatura com o meu melhor ar de reprovação (que inclui ligeiro abanar de cabeça) e por instantes julgo vislumbrar meio segundo de sentimento de culpa. Foi decerto impressão minha. Que se dane, deve ter pensado a criatura enquanto abalroava um pequeno espaço ajardinado. Chamar relva a isto é um eufemismo e nesta curva jeitosa à sombra não passam camiões.
Recordei a idosa numa rua de Viena que assomou à janela do seu rés do chão para afugentar um alienígena que ousou deixar o cão emporcalhar os canteiros da rua. Devo dizer, por experiência própria, que a prática da dissuasão é totalmente desaconselhável por estes lados. As nossas santas mães não merecem o enxovalho a que estão sujeitas.
Entretanto, vejo-a entrar para o cabeleireiro com andar desembaraçado. Suspeito que trata com carinho as plantas da varanda e ajuda os filhos nos trabalhos sobre o Estudo do Meio, aqueles que ensinam os meninos a ser amigos do ambiente e a ajudar os velhinhos a atravessar as ruas. Mais abaixo, diversas viaturas galgaram os passeios junto à farmácia, uma dúzia de piscas estão encostadas às caixas multibanco e um cavalheiro galhofeiro ao telemóvel faz uma tangente a quem circula na passadeira.
Confesso que nunca percebi bem esta espécie de comportamento bipolar do zelo pelo privado e o desprezo pelo espaço público. Conheço muito boa gente que reclama constantemente dos serviços públicos, mas não se maça a denunciar uma viatura abandonada, uma fuga de água na rua nem a necessidade de mais iluminação. Porventura alguns dos cidadãos barricados em habitações de esmerada limpeza e arrumação serão os mesmos que não hesitam em sacudir a toalha das refeições e os cigarros para o terraço do vizinho, bloquear com o carro o acesso à porta comum, despejar lixo fora dos ecopontos, lançar os máximos ao condutor da frente, fazer gestos com os dedos quando não se circula à velocidade pretendida, permitir que os canitos emporcalhem a entrada do prédio ou em não descarregar o autoclismo das casas de banho públicas.
É tudo gente porreira.

6 Comments:

Blogger CPrice said...

é tudo gente porreira sim senhora .. mas deixe-me que lhe escreva que nunca a li assim tão bem retratada.

Beijinho*

4:20 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caríssima Vizinha,

Temos tanta, mas tanta gente assim no nosso bairro...

No nosso Bairro ? No nosso pais, malhereusement...

Melhores cumprimentos,

5:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gente porreira e portuguesa...

12:08 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Estacionamos sobre canteiros porque decidimos que ter canteiros na cidade era bonito
e fizémo-los.
Antes de existirem canteiros ninguém estacionava sobre canteiros.
Estacionamos sobre canteiros porque temos veículos em crescimento exponencial, e näo prescindimos deles.
Estacionamos sobre canteiros porque preferimos os nossos carros aos canteiros.
"Bref": ou eliminamos os canteiros das ruas das nossas cidades ou eliminamos os veículos.
Abaixo os canteiros!

1:15 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

Belita,
tu, que já corrreste o mundo, não achas que tratamos muito mal as árvores? Aliás, tratamos muito mal todo o espaço público e o nosso património.

11:41 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Há quanto tempo näo vens a Castelo Branco? Após a desflorestaçäo já só podemos experimentar o humor negro. Penso mesmo que é melhor näo vires. Bjs.

9:22 da manhã  

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