Atraso de vida, dizem eles
No início eram os pequenos electrodomésticos Moulinex encomendados a emigrantes em França, muitos deles operários nessas fábricas: a faca eléctrica, uma fascinante centrífugadora, um abre-latas de parede e tantos outros "petits trucs" que faziam as maravilhas das cozinhas na província que davam os primeiros passos na modernidade. Quem viveu toda a vida em Lisboa, por exemplo, não saberá do que falo. Suponho que pouco contacto terão tido com a emigração dos anos sessenta para França ou Alemanha e que pouco a pouco esvaziou as aldeias de gente nova, pouco letrada, que fugiu ao atraso de vida a que estava reservada. Ainda guardo, um maldito par de lençóis de pura fibra oferecidos há muito, muito tempo (não a mim) como forma de agradecimento pelo preenchimento de documentos e por cartas escritas e lidas com emoção. São memórias vagas, mas que nos fizeram aprender a ser gente.
Muito tempo depois, havia de surgir a televisão a cores. Os mais resistentes ou menos endinheirados debatiam-se diariamente com as válvulas em vias de extinção dos aparelhos a preto e branco: eram os riscos no écran e um tempo infinito para aquecer aqueles aparelhos enormes que preenchiam mesas ou, melhor, aquelas estantes fora de moda que ocupavam paredes inteiras.
Quando a situação se tornou verdadeiramente caótica e para evitar os motins familiares que começavam a avolumar-se perante os caprichos e surtos de cansaço das televisões, chegaram, finalmente, os fascinantes aparelhos a cores a muitos lares portugueses.
Depois vieram os videos. Os primeiros que vi eram caros e enormes. Recordo sem saudade o que comprei em segunda mão, esbanquiçado, mas que durou até se cansar. Rapidamente passaram a ser mais sofisticados e a ser vendidos ao desbarato nas grandes superfícies.
O mesmo se passou com os velhos leitores de dvd, que entretanto adquiriram funções que desconheço e sem as quais vivo na paz do Senhor. Sem falar, claro, nas playstations, telemóveis, i phones e na praga das máquinas digitais de filmar e fotografar, umas engenhocas absolutamente fabulosas a que, infelizmente, não tenho meios para me converter.
Sem conhecimentos de hi tech, encontro-me na fase dos ecrans de plasma em frente aos quais fico embasbacada nas lojas da especialidade. Parecem saloias, aquela gente, ouvi dizerem atrás de mim, incluindo-me no pacote. "Deixemo-nos de fantasias", pareceu-me ouvir ao meu lado.
6 Comments:
(risos)
Gostei de ler, Miss Pearls. :)
ora .. sem fantasias destas? Nem pensar :)
Brilhante Miss Pearls .. as usual *
Gostei :)
Outra novidade tecnológica que alterou os nossos hábitos foi o telemóvel.
Quem não sentiu ainda a experiência de andar de transportes públicos e ver o vizinho do lado a digitar furiosamente no teclado do telemóvel? Ou almoçar com uma amiga que insiste em mandar sms's e/ou falar ao telemóvel do que falar connosco?
Lembro-me de um colega de escola que uma vez veio cá a casa e me perguntou o que era aquilo na entrada. Era uma enceradora, muito parecida com a da fotografia que ainda não tinham arrumado. Escondi muito bem a minha admiração, mas fez-me muita confusão, ele era «classe média» e eu não supunha que não pudesse saber o que era...
Hoje estás um pouco dispersa. Precisas de uma renovaçäo de electrodomésticos?
Não :) Já tenho que chegue
Mas lembrei-me do cheiro da minha casa e de uma enceradora parecida com essa.
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