quinta-feira, abril 3

O meu artigo na revista Atlântico de Março

Ficheiros por autor
Escrevi aqui, no mês passado, sobre a imagem ficcionada das funções de bibliotecário, ou melhor, da forma como o cinema ajudou a formar alguns estereótipos relacionados com esta profissão. Da glamorosa Carole Lombard a namoriscar entre estantes de madeira enroscada aos braços de Clark Gable no filme “No man of her own” à representação da bibliotecária ríspida, cinzenta e sem feminilidade, assim se foi construindo uma caricatura que em quase nada corresponde à realidade como eu a conheço. Por prudência, deixo ficar o “quase nada” por conta da realidade que não conheço. Mas deixemos os estereótipos e as caricaturas e falemos de bibliotecários famosos embora não necessariamente famosos enquanto bibliotecários. Vejamos. Afinal, que têm em comum a Senhora Bush, Golda Meir, Nadezda Krupskaia (mulher de Lenine) e Hilda Guevara? E Mao Tse-Tung, Hume, Lewis Carroll, Benjamin Franklin e Marcel Duchamp? Pois bem: foram todos colegas de profissão e logo, meus colegas também. Todos foram bibliotecários em determinadas alturas das suas vidas, tendo-se tornado, para o bem e para ao mal, famosos por outras circunstâncias que não exactamente por terem andado entre estantes ou cumprido regras de catalogação. Vendo as coisas de outro modo e a bem da Humanidade, alguns deles deviam ter ficado pela nobre missão de classificar e arrumar as obras pelos vários temas em vez de terem produzido ou autorizado obras de cota única. Pelo contrário, também houve casos em que se perdeu um bibliotecário para se ganhar um grande artista, um proeminente pensador ou um clássico da Literatura. Vejamos o caso de Proust. Para agradar à mãe e não hostilizar o pai, arranjou um emprego (ou uma ficção) não remunerado na Biblioteca de Mazarine na qual se distinguiu pelo número de ausências por falta de vontade ou faltas de ar. Durante os nove anos que esteve numa das instalações da Biblioteca Municipal de Buenos Aires, Jorge Luis Borges foi um bibliotecário frustrado no seu trabalho. Hostilizado pelos colegas, refugiava-se nas caves da bibliotecas onde, para a História da Literatura, escreveu diversos artigos e também o conto “A Biblioteca de Babel”. Após a queda de Perón foi nomeado, aos 56 anos, nomeado Director da Biblioteca Nacional. Escritores como Philip Larkin, Robert Musil, Strindberg, Goethe, os irmãos Grimm, Alexandre Soljenitsyne (na prisão), os filósofo Kant e Leibniz (criador do catálogo de entradas por autor), o multifacetado Benjamin Franklin (precursor das bibliotecas públicas), assim como diversos Papas foram igualmente bibliotecários, demonstrando uma grande versatilidade e inúmeras competências, como se diz agora. Mas há outros bibliotecários famosos apesar de não se terem distinguido exactamente pela sua dedicação aos livros, como é o caso de Casanova. Após uma tumultuosa e agitada vida libertina, nos últimos anos da sua vida, este afamado personagem aborreceu-se de morte durante a sua reforma dourada enquanto sombrio bibliotecário de uma casa nobre, onde escreveu a sua autobiografia. No entanto, houve quem certamente tivesse posto em prática os conhecimentos obtidos na técnica de classificação e indexação. Falo do chefe do FBI, J. Edgar Hoover, bibliotecário durante alguns anos na Biblioteca do Congresso. Suponho que experiência que desenvolveu na organização de ficheiros, arquivos e classificação por assuntos tenham sido da maior utilidade nas suas funções à frente do FBI. E termino com alguns exemplos nacionais. Em Portugal, tivemos igualmente escritores que desempenharam funções em bibliotecas, personalidades que se destacaram pela sua actividade intelectual e acção política, como são os casos de Raul Proença e Jaime Cortesão, ambos ao serviço da Biblioteca Nacional, tendo este último sido seu director. Sem esquecer, claro, Fernando Pessoa, que concorreu, sem êxito ao cargo de conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães. Viria a ocupar esse lugar em 2000, atribuído simbolicamente pela Câmara de Cascais.
** Informação recolhida em: La imagen social del bibliotecario e Off the shelf

NOTA: No texto ficaram por referir os escritores Vasco Graça Moura, David Mourão-Ferreira e Branquinho da Fonseca, tendo sido todos eles directores do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian . Este último foi o primeiro responsável por este meritório Serviço e também Conservador-Bibliotecário no Museu-Biblioteca do Conde Castro Guimarães, em Cascais.

Recordo que António Sérgio também trabalhou na Biblioteca Nacional, embora por isso se não distinguisse.

Nota 2 - Informação recebida do João Miguel Almeida: "Stefan Zweig num excelente e recomendável livro de memórias - «O Mundo de Ontem. Recordações de um Europeu» - também fala dos poetas-bibliotecários franceses no início do século XX."

E também do caro Réprobo "Fidelino de Figueiredo, o único a deixar um opúsculo «Como dirigi a BN».

Maria Isabel Goulão (Bibliotecária) para a revista Atlântico.

Imagem: Alice, the Ghostbusters Librarian

8 Comments:

Blogger O Réprobo said...

E Fidelino de Figueiredo, o único a deixar um opúsculo «Como dirigi a BN».
Beijinho, Querida Miss Isabel

12:11 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

Obrigada cara Réprobo
:)

9:46 da tarde  
Blogger Leonor said...

a imagem que as pessoas têm dos bibliotecários e que se pode constatar nos mais variados tipos de documentos (caricaturas, filmes, livros, etc.) e a imagem que os bibliotecários têm de si próprios não deixa de ser, por vezes, um conjunto de dificil conjugação.
gostei do seu artigo.

6:51 da manhã  
Blogger fernando_vilarinho said...

Olá, Viva!

Boa escolha de tema (e bom artigo) sobretudo para mudar um pouco a ideia comum que bibliotecário famoso só mesmo Borges. Ao longo dos anos tenho descoberto, mormente ao acaso, múltiplas personalidades que seriam das últimas a associar a bibliotecário/a.
Na área aonde sempre trabalhei e trabalho (Bib. universitárias) porventura a personalidade/bibliotecário mais marcante do mundo moderno/contemporâneo tenha sido Thomas Jefferson que laicizou e assentou um indelével cunho de cientificidade aos estudos universitários, até aí ainda sobre relevante influência (e até autoridade) religiosa. Simbolicamente, na ‘sua’ Universidade da Virgínia colocou no centro do 'campus' universitário uma biblioteca (Rotunda library), preterindo a tradicional e secular capela. Na altura foi divisado pela Igreja e entidades religiosas como uma heresia (Jefferson foi efectivamente o primeiro Reitor no mundo a realizar tal permuta), mas ele elidiu tal juízos, pois como ele dizia habitualmente “tenho mais que fazer, e muito mais que fazer que esses senhores!”

xauzinho

12:27 da manhã  
Blogger fernando_vilarinho said...

e só para acrescer que esse Rotunda Library foi desenhada/projectada pelo próprio punho talentoso de Jefferson. Ele que seleccionou as colecções de livros da biblioteca, e organizou-as de acordo com um sistema de classificação que adoptou de (Sir) Francis Bacon; também contratou os 2 primeiros bibliotecários e definiu, ele próprio, o Regulamento da Biblioteca, cujo corpo geral de ideias ainda subsiste.


Bem, estes factos são suficientes para tb o designar de bibliotecário? IMHO perfilha-se bem melhor para exercer o cargo do que, por exemplo, uma senhora Laura Bush, partidária da censura e de marcada limitação à liberdade de pensamento, expressão e acção!

12:48 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

Obrigada Fernando Vilarinho por essas informações. Já as conhecia a partir das pesquisas que fiz e a fotografia da bibloteca do Jefferson anda algures aqui no blog.
Não sei nada da vida profissional da senhora Bush mas não me parece que seja descendente do grande Satã :)

Obrigada Leonor
concordo consigo~

2:59 da manhã  
Blogger H. said...

Me encantará recibir una copia del artículo original (en PDF). ¿Es posible? Ponte en contacto conmigo, soy el autor de La Imagen Social del Bibliotecario. Obrigado.

1:30 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

OLA odd librarian
voy a inTENTar un copia en PDF

1:46 da tarde  

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