As mãos não escondem
Acontece a toda a gente. A todos os que chegam aí, bem entendido. As rugas e os cabelos brancos são os primeiros sinais – os sinais que o próprio e os outros detectam, os sinais ditos clássicos. Mas as rugas e os cabelos brancos, sempre encarados como uma pequena hecatombe, não são nada que se pareça com o que vem depois. Há quem tenha rugas e cabelos brancos aos 20 e tal anos. Não são assim tão maus, bem vistas as coisas. *
Comecei a ler estas palavras que vinham na revista com o jornal, no passado Domingo e cuja leitura interrompi. Naquele local, rodeada de jovens bonitas, escolhidas para vestir aquela saia ou camisola curtíssimas, com a pele que não voltarão a ter, de corpos trabalhados ou geneticamente afortunados, nada do que lia fazia sentido. O ambiente era de graciosidade, juventude, de ostentação do corpo ao serviço de qualquer corte de vestido mais arriscado e imune a coreografias mais ousadas.
Vejo também à minha volta, mulheres e homens que se vão recusando a envelhecer. Nota-se pelas rugas que não têm e que deviam ter, dos sulcos junto aos olhos que desapareceram mas que hão-de voltar, de joelhos sem vincos e das pernas esculpidas a rigor. Nada a dizer enquanto a luz não exigir mais e a carteira puder comportar. Há por ali, um caso ou outro, em que o espelho devia ser melhor conselheiro, mas ainda não chegaram aos livros que falam de "já não ter vontade de correr até rebentar numa praia vazia. Já não ter vontade de dançar toda a noite. Já não ter orgulho no próprio corpo. Já não ter sede, fome de mais – pessoas, terras, experiências, imagens, ideias."*
O que vem a seguir não se explica. Não se comunica. Nem é em si uma coisa. É mais a falta de coisas. Coisas que acabam e nem sabíamos que sentíamos, que nem sabíamos que tinhamos. Vigor. Energia. Resistência. Vontade. Uma forma difusa, muscular, óssea, de alegria. Um optimismo, por mais pessimista que fosse, que confundiamos com cepticismo – antes de o verdadeiro cepticismo chegar. *
Eu, que não vi os meus pais envelhecer comigo, que a estrada levou inutilmente, procuro encontrar nos traços alheios da velhice, vestígios do que não tive a meu lado, do meu lado. Já lhes sentia a falta de resistência de energia e de cepticismo, mas morte não quis esperar. Talvez por isso, nada me mete mais nojo que uma sociedade que despreza os seus velhos, que os confina à indigência e ao esquecimento.
Por vezes, o espelho devolve os traços que tratamos pelo nome, reconhecemos sem esforço cartografia de cada linha, seguimos-lhes o norte e o sul e acompanhamos, com alegria ou tristeza, a cronologia dos anos, até encontarmos uma luz mais clemente.
Mas creio – e digo creio porque é cedo para saber – que o desespero peculiar da velhice só ocorre aos que a alcançam. *
Até lá, resta-nos ""Aguentar firme e aceitá-la como ela vem" (Philip Roth, Todo o Mundo)
*Fernanda Câncio- "Uma historia simples", Sermões impossíveis,Notícias Magazine de 9.3.08
(Ao fazer uma ligação à autora do texto reparo, tarde demais, que o mesmo estava já em linha.)
7 Comments:
Quando as li no domingo também gostei muitos desssas palavras.
Quer as suas mãos Miss Pearls quer as de Fernanda Câncio, deixaram-me sem tacto para dizer o que quer que seja.
sim. são fortes. gostei de ambas.
há uns meses li num blog, que já não sei qual, qualquer coisa como, nunca a ciência se preocupou tanto em prolongar a vida, nem as sociedades tiveram tanta obcessão com a longevidade e ao mesmo tempo, nunca as sociedades deram tão pouco valor aos velhos como hoje. também foi forte esse post...
Obrigada pelas vossas palavras tão gentis
Uma Páscoa Feliz
Beijinhos
Isabel
Uma história simples contada num texto simples e belo. Parabéns Miss Pearls. Gostei de a ler.
Belíssima texto , Miss
mt
Belo texto o seu Miss Pearls
Feliz Páscoa
TiliaseBuganvilias
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