quinta-feira, novembro 15

Sem cortinas


Chegada recentemente de Amsterdão onde, de início, facilmente poderia ser reconhecida por atravessar passadeiras a correr com receio da mudança de sinal (velhos hábitos custam a perder), terminada a ressaca do silêncio e da falta de tubos de escape e de novo reconciliada com o ruído constante que me entra do eixo norte-sul (em Lisboa há hábitos que não se perdem) abro uma janela neste blog, prendo as cortinas, deixo entrar o sol e os olhos dos que nos leêm.

Amsterdão, uma cidade sem cortinas nas casas que ladeiam os canais, abertas aos olhares de quem passa nas ruas, nos barcos, de dia e de noite. São as janelas sem estores que sobressaem da escuridão dos prédios sem curiosidade de os desvendar, contornos que a distância não identifica, casas com gente dentro, as estantes, as luzes, as paredes, um pedaço de intimidade sem som nem legendas, cheias de vidas sem máscaras, corações libertos, de amores, desamores, boas vidas e outras nem tanto.

Como um leitor também observou : "E apelo ao interior das casas?" É isso. Cheguei com essa inesquecível impressão dos interiores da casas, principalmente à noite, as que ladeavam os canais, com janelas amplas e sem cortinas. Coisa estranha. E eu que pensava que eram coisas minhas, habituada a uma cidade barricada em black outs de cortinas corridas.

"Quem vive em Amsterdão e tem a casa ao nível da rua não está mininamente preocupado com os olhares dos forasteiros para dentro do seu ninho. Faz parte. Afinal, esta é a cidade das vitrinas, do bairro da Luz Vermelha", escreveu ontem o jornalista do Notícias Sábado no artigo "Bom tempo no canal".

Leitores residentes na Holanda dão-me algumas explicações relacionando este hábito com a religião, outras distinguem Amsterdão do resto do país. Afinal não eram coisas minhas. Sábios, os habitantes dos canais sabem que são só sombras, formas, luzes, imagens de passagem, fugidias, sem identidade e que a distância faz sumir. É o que se deixa ver, o que se permite vislumbrar sem poder adivinhar. São como posts em vidro fosco.

Editado no Corta-Fitas

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Uma pessoa não pode estar ausente do mundo virtual muito tempo senão dá nisto: muitos posts em atraso para ler.

Na minha ausência dou-me conta que Miss Pearls teve a ousadia de ir à Holanda sem me pedir consentimento ou mesmo oferecer-me um lugarzinho na sua bagagem...ora, ora!

Estou deliciada com o seu diário de viagem e respectivas fotos.
É sempre bom quando a Miss Pearls vai de viagem porque fico sempre com aquela sensação que sinto o tal cheiro da tal rua que acabou de fotografar ou descrever.

Neste meu querer actualizar a leitura, dou-me conta de várias coisas que são intrinsecamente suas. Vivências, histórias e perdas que desconhecia.
A vida prega-nos partidas - é uma frase feita mas verdadeira!

Apetece-me deixar-lhe um beijinho, não só pelo dia 18 mas por ser quem é.
É bom estar de volta e saber que está desse lado cheia de cor, vontade, querer e com muita prosa e poesia para nos encantar.
Bem haja Miss Pearls

*queira desculpar-me o tamanho do comentário

2:41 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem. estreante nos comentários a este Blog mas visistante assidua, não possso deixar passar esta perfeita descrição - senti exactamente o meso qdo lá estive. A curiosidade (nossa) é tremenda de andar na rua a olhar para dentro das casas...e todas parecem "beber" da cultura IKEA...mas por outro lado tudo é confortável e simples..com luz, com crianças, com copos e convivío. Gostei da sensação partilhada, afinal não sou só eu a curiosa.

2:05 da tarde  

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