segunda-feira, julho 23

Mais do que palavras

Há expressões da moda, de todos os tempos, cómicas, brejeiras, que usamos mais, que nunca usamos, que nos prendem, simpáticas, de que gostamos ou de que não gostamos mesmo nada.
É sobre estas últimas que me apetece escrever. No top mais das mais parvas está a expressão "Quem sabe...?" , substítuida por vezes pelas expressões "talvez um dia", "nunca se sabe", "o futuro o dirá", "o futuro a Deus pertence", etecetera, etecetera.
Quem utiliza a expressão "Quem sabe..", sabe muito bem que isso significa "nunca", "jamais" ou "em tempo algum", que funciona como uma espécie de paliativo para amortecer o que fica por dizer. Não falo de lotarias ou jogos de sorte. Aqui não "entra" sorte nenhuma, as palavras são proferidas intencionalmente como gotas alucinogéneas que criam a ilusão de que nada é definitivo. É uma expressão que serve para empatar e que tem os seus efeitos em almas vulneráveis, incautas e tantas vezes ingénuas. "Nunca se sabe..." : falso, nada mais falso. Ou melhor, uma grande ficção adocicada ou embalada com vistoso laçarote mas com o interior vazio. "O futuro o dirá...": expressão idiota que permite a germinação de situações dúbias, contorna compromissos e cria limbos de esperança ou expectativa na maioria dos casos completamente infundadas.
As infecções tratam-se com antibióticos e não com produtos naturais. O placebo serve muito bem como indutor da sugestão e tem o efeito psicológico que favorece uma ilusão subjectiva, mas não cura coisa nenhuma. O problema reside se queremos ou não acreditar e convém não esquecer que nem Deus nem o "futuro" têm sede nem impressos para reclamações.
O ideal mesmo seria que as palavras viessem com livros de instruções. "Nunca se sabe" o que se poderia evitar.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Oh Miss Pearls, quem escreve assim não é gago :)
Maravilha de post!

4:44 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Há palavras assim,há.Que se usam só para quebrar um silêncio incómodo,que se dizem sem ser sentidas,e se num primeiro momento podem criar tais expectativas,o tempo,e com ele a experiência,fazem o grande favor de nos ensinar a saber interpretá-las no seu justo valor:nenhum.

10:40 da manhã  
Blogger Maria de Fátima Filipe said...

Acho que depende muito das circunstâncias em que são utilizadas. Quando ditas a alguém numa perspectiva de conforto por um situação mais ou menos dolorosa ou triste, têm sim esse significado do "nunca resignado". Mas podem têm ser um incentivo e um estimulo para irmos mais além e ultrapassarmos alguns bloqueios, em situações em que o interlocutor só precisa de um empurrão... por que "nunca se sabe..." :)

De resto o texto está muito bem escrito, como sempre Miss Pears.

11:06 da manhã  
Blogger CPrice said...

confesso uma verdadeira "má vontade" em relação a essas e outras entropias da nossa língua mãe .. :) a essa do "nunca se sabe" versão "quem sabe" apago-a logo .. normalmente encabeça os tantras teimosos que me inundam a caixa de mail ;)
Texto delicioso Miss Pearls .. :)

1:00 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Muito bom! O futuro dirá se este não é um dos melhores posts deste blogue. Quem sabe? A ver vamos :)

6:07 da tarde  
Blogger definitivo said...

Miss Pearls, desculpe a ousadia de discordar.

Há questões que se levantam que, na maioria das vezes, a resposta só pode ser, "sabe-se lá...", "quem sabe...", "nunca se sabe..."....

No meu tempo - quando era puto -, o meu sonho era ser guarda-livros (eu sabia que guarda-livros não era a mesma coisa que trabalhar numa biblioteca).
Concretizei o meu "sonho"? Não, mas, a verdade, é que passei todo o meu secundário enfiado numa coisa (que eu detestava) que dava pelo nome pomposo de "Curso Complementar de Contabilidade". E quem é que me meteu nesta "alhada"? A minha mãe. E porquê? Porque o seu filho do meio dizia que gostaria de ser... guarda-livros. Mas será que a culpa lhe coube por inteiro? Não, ao tempo, a Rê Tê Pê é que tinha os "poderes" de nos influenciar. A nós, criancinhas. Coitadinhas. Não é fácil ver programas cujos apresentadores se chamavam, António Vitorino de Almeida, Vitorino Nemésio, Pedro Homem de Melo... Semanalmente! Atenção, qu'eu recordo que ainda era uma criança. Mas, como no anúncio, era o que havia! Não tive a "sorte" dos miúdos d'agora que têm os bonecos que querem. Nas televisões. Embora eu ache que estão nas mesmas circunstâncias do meu tempo: também como no anúncio... não há mais nada. Bonecos. Bonecos, bonecos, ou bonecos de carne e osso. Apenas bonecos.
Cresci. Fui guarda-livros? Claro que não!... Detestava o "curso"...
Mas voltando à culpa - à Rê TÊ PÊ e à minha mãe, portanto -, lembro-me perfeitamente que, enquanto "fazia a folha" (coitada da minha mãe) para a convencer que ser guarda-livros era uma coisa muito prestigiante (usei palavras mais simples, claro) e que me poderia garantir um bom futuro, a minha mãe dizia: "quem sabe?....". Outras vezes, era... "nunca se sabe...". Mas o que eu lhe ouvia dizer mais era... "Só Deus é que sabe...".
As "frases feitas" da minha mãe serviram-me d'alguma coisa para eu me tornar (mesmo) num "guarda-livros", e com futuro garantido?... Não. Mas eram as únicas respostas que tinha. Não me poderia dar outras.
Diz o Pedro Paixão que "Nunca se sabe o que é para sempre". E acrescenta, "sobretudo nas coisa do amor". Exactamente como a minha mãe, nesta coisa - e em todas as coisas - do amor... nunca se sabe o que é para sempre. Amor de mãe, no fundo. Bem lá no fundo.

O meu filho sabe coisas incríveis sobre astronomia. Ele é livros, Internet, filmes, BD, bonecada (lá está!) da televisão... Depois, vem-me com perguntas. Eu, pobre ignorante, lá lhe vou respondendo como posso. Não sem nunca me safar de uma coisa do género, "pai, não sabes mesmo nada!...). Pois não, filho, no meu tempo não havia dessas coisas....
O Pedro quer ser astronauta. E que é que eu posso fazer contra (ou a favor) disso? Nada. Por um lado, ele sabe tanto de astronomia...! Tem tanta fé!... Por outro, eu não sei o que é para sempre...
Mas lembro-me da minha mãe quando ele me pergunta se é possível ele ser astronauta: digo-lhe, "Pedro, nunca se sabe...", "quem sabe?...", sabe-se lá..."
É! o Pedro é mesmo chato. Faz-me perguntas às quais não sei responder.
Quem sabe - depois do futuro -, se um dia não lhe saberei responder?...

Miss Pearls, o "quem sabe", "sabe-se lá" e afins, ainda fazem sentido. O que não faz sentido é uma frase (feita) que eu utilizei várias vezes neste meu comentário, que é: "No meu tempo".
"No meu tempo", é que não faz sentido nenhum!...
Qual meu tempo?... Já não tenho tempo, é isso?... Mas é mentira, eu existo!... Apalpo-me, e existo!... Então, porque é que se diz, "no meu tempo..." É para significar "quando era pequeno"? E desde que idade?... Se quiser lembrar os meus 30, já não posso dizer... "no meu tempo"?... E dos vinte, já posso?...
"No meu tempo...", isto sim, é uma frase sem sentido nenhum, que eu coloco no topo - não no top - das "frases feitas" mais inúteis. Porque estúpida.

Sei que me vai "matar" (isto já vai tão longo), Miss Pearls, permita-me só que lhe coloque aqui um poema de Fernando Pessoa. Um poema de força, de estímulo, de esperança, de futuro... No fundo, como a minha mãe me dizia e como também digo ao Pedro... nunca se sabe.

Permita-me então:

NAVEGAR

Navega, descobre tesouros,
Mas não os tires do fundo do mar, o lugar deles é lá.
Admira a Lua, sonha com ela,
Mas não queiras trazê-la para Terra.
Goza a luz do Sol, deixa-te acariciar por ele.
O calor é para todos.
Sonha com as estrelas, apenas sonha, elas só podem brilhar no céu.
Não tentes deter o vento, ele precisa correr por toda a parte,
Ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
As lágrimas? Não as seques, elas precisam correr na minha,
Na tua, em todas as faces.
O sorriso! Esse deves segurar, não o deixes ir embora, agarra-o!
Quem amas? Guarda dentro de um porta jóias, tranca, perde a chave!
Quem amas é a maior jóia que possuis, a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda, se o século vira
Conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.
Abre todas as janelas que encontrares e as portas também.
Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho.
Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.
Descobre-te todos os dias, deixa-te levar pelas tuas vontades,
Mas não enlouqueças por elas.
Procura! Procura sempre o fim de uma história, seja ela qual for.
Dá um sorriso aqueles que esqueceram como se faz isso.
Olha para o lado, há alguém que precisa de ti.
Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.
Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.
Agoniza de dor por um amigo, só sairás dessa agonia se
Conseguires tirá-lo também.
Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.
Arrepende-te, volta atrás, pede perdão!
Não te acostumes com o que não te faz feliz,
Revolta-te quando julgares necessário.
Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela.
Se achares que precisas de voltar atrás, volta!
Se perceberes que precisas seguir, segue!
Se estiver tudo errado, começa novamente.
Se estiver tudo certo, continua.
Se sentires saudades, mata-as.
Se perderes um amor, não te percas!
Se o achares, segura-o!
Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala
O mais é nada.

Abraço

8:20 da tarde  
Blogger Je maintiendrai said...

Que bem!

1:44 da manhã  

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