E ao sétimo dias descansou
Recordo-me bem de quando ela começou a trabalhar. Com os filhos já criados, a quem ensinou diária e exigentemente a aritmética, ortografia, os rios, História, os caminhos de ferro, o ditado, a geometria, o corpo humano e a fotosíntese, com o jardim criado e a vida encaminhada, surge-lhe a oportunidade de "começar a trabalhar". Creio que por essa altura os tempos ainda não eram difíceis para um emprego, geralmente para o resto da vida.
Na família não havia tradição de as mulheres trabalharem. Depois dos estudos, em colégios mais ou menos longe da casa dos pais, vinha o casamento ou um curso superior. Ia cada um à sua vida.
Uma correcção: todas trabalhavam (e muito), mas havia mulheres que tinham empregos, as solteiras. Mais tarde havia de surgir o Magistério Primário nas cidades do interior e muitas delas teriam o seu posto nalguma aldeia das redondezas ou mesmo na cidade.
Voltando ao princípio, lembro-me bem de como os horários mudaram a vida da família, porém sem atribulações, correrias ou desleixos, que tudo era ao virar da esquina. Tudo acabaria por entrar nos eixos e parecendo que não, os filhos agradeciam aquelas horas de liberdade sem vigilância. E ela tinha um salário, férias pagas, um maior desafogo financeiro, geria o seu dinheiro, fazia as suas contas, as suas poupanças e era senhora dos seus projectos. Fez amigos novos e velhos, alargou conhecimentos, lá tinha as suas ralações, mas também um carro novo.
Trabalhou até a saúde lho permitir, em tempos novos de gente diferente, tempos sem altruísmo nem amizade, como naquele primeiro dia em que saiu para trabalhar.
Poderia ser a história de tantas mulheres, mas é sobretudo a história de uma vida de trabalho, afinal a vida de tantas de nós.
2 Comments:
Já que se descansa, porque não ir em busca das "lost pearls"?
http://www.asia2000.com.hk/asia2000/asia2000/images/muddypearlcoverl.jpg
Excelente texto! Fez-me lembrar imensas histórias que a minha mãe conta...
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