quinta-feira, fevereiro 22

Indignação selectiva

Há coisas que se vão aprimorando com os anos. Talvez seja melhor dizer que se vão "apurando" com a experiência. Soa bem e cai ainda melhor, dá outro ar e sempre gostei de eufemismos. Digo isto com alguma ironia, naturalmente. Mas não era sobre minudências pessoais que gostaria de escrever.
Estive hoje num grande armazém de pronto-a-vestir onde existem dois tipos de roupa : a cara e a caríssima. Inexplicavelmente, dirijo-me sempre para as etiquetas que ostentam os valores mais escandalosos. É inevitável. Não é um capricho, é uma visão cirúrgica. É um sexto sentido esmerado. É uma perda de tempo. É uma chatice.
Pode estar a três ou quatro metros, que graças a Deus vejo bem ao longe, mas lá está o casaco de três digitos ou a camisola de caxemira. Lá no íntimo, eu, muitas de nós, sabemos que aquilo que vemos, exactamente porque é diferente, há-de ser, digamos, uma ficção. Apesar disso, nada nos impede de o olhar e revirar. Em situações extremas damo-nos ao trabalho de o provar, o que por vezes é bom. Outras vezes não é tão bom assim. Uma mente precavida e uma carteira pouco recheada acaba sempre por encontrar algum defeito. Lá está, é bom. Já uma criatura com ego inflamado mas praticamente na penúria, sente de imediato a necessidade de devorar um chocolate inteiro. O que é mau: pela frustração e pela dose de calorias. Quem nunca sentiu este olhar apurado, esta temível inclinação para marcas inatingíveis e preços praticamente obscenos que levante o braço. Sou pessoa para lhe passar um certificado de "consumidora feliz".
E se nos voltarmos a cruzar com aquele casaco, pode ser que esteja enfiado numa sujeita a precisar de tirar o buço e uns quilos a mais. Afinal, o casaco não é tudo. Pois...

8 Comments:

Blogger Dulce said...

Junto-me ao grupo.
Também eu tenho pontaria para etiquetas com vários dígitos... Pior que isso é que os efeitos que essas etiquetas têm em mim são desastrosos: uma inevitável depressão e consequentemente, a necessidade de devorar uma qualquer tablete de chocolate.
E mais é melhor não dizer...

3:02 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Quando se chega à conclusão que o casaco não é tudo, acabamos por apaziguar a sensação que nos dá o toque daquele tecido e (re)afirmamos que somos mais que todos aqueles digitos.

Verdade, verdadinha?!
Confesso que não levanto o braço :)

3:12 da manhã  
Blogger Cláudia said...

Eu faço sempre o seguinte exercício, quando me sinto tentada a comprar alguma peça de roupa cara: imagino o bilhete de avião que podia comprar pelo mesmo valor e lembro-me de todas as ocasiões em que queria comprar alguma coisa e não o fiz e depois nem me lembrei mais disso.

Quem tem orçamento limitado tem que fazer escolhas. Eu escolho gastar o meu nas coisas que são mais importantes. E há tantas que são mais importantes para mim do que uma camisola de caxemira...

9:47 da manhã  
Blogger CPrice said...

Eu até queria o tal certificado mas .. ;)
Gostei de ler.. como sempre

9:54 da manhã  
Blogger Maria de Fátima Filipe said...

Nesta matéria estou como peixe dentro de água :):)
O casaco não é tudo?. Ah pois não! A grande questão é exactamente termos consciência disso o que nos deveria apaziguar, mas qual quê!!
A minha técnica é nem sequer experimentar. Se estou naquela maré em que não posso mesmo gastar dinheiro ou a coisa é escandalosamente insuportável, passo ao largo... já não tenho idade para frustrações! Mesmo assim, confesso que já tenho feito algumas avarias, de que me penitencio :)O mundo não é mesmo nada perfeito, o dinheiro está sempre nas mãos erradas não é MissPearls? :)

9:58 da manhã  
Blogger vbd said...

aaah, miss P, mas essa não é uma questão exclusiva do domínio do feminino. à hora que publicou este post estava eu, coincidência, a debater-me com essa mesma questão e um sobretudo em veludo azul noite, na ordem dos 3 dígitos quase 4. o defeito necessário? qualquer ponta de cigarro transformaria o luxo babilónico num casaco da feira da ladra. o problema não foi resolvido com um chocolate, antes com a nova máquina nespresso...

12:57 da tarde  
Blogger Eurydice said...

Misspearls, sempre tão precisa na descrição do CASO!... :))
Este balanço é magnífico!...

8:36 da tarde  
Blogger Teresa said...

e a verdadeira ginástica mental e psicológica que somos capazes de fazer para contornar a situação! nem um dedinho consigo levantar para provar a minha distinção!
bom fim-de-semana.

1:08 da manhã  

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