quarta-feira, maio 24

Sobre as praxes

Li com alguma, não muita estupefacção o artigo no JN que referia que "Um terço concorda com praxe violenta" e também "O inquérito revela, também, que "28% dos alunos discordam da ideia de que praxe deve ser facultativa e respeitar quem não quiser aderir". Mais de 80% dizem-se favoráveis à discriminação sexual, recusando qualquer revisão do código da praxe que igualdade os direitos de homens e mulheres. Só 3% dos alunos defendem que a praxe "deve ser completamente abolida, pois é uma violência".
Diga-se que nunca assisti pessoalmente a nenhuma praxe nem nunca fui alvo dessas práticas medievais. Suponho que "no meu tempo" deveriam ser consideradas manifestações de origem fascizante. Confesso que isto quase me reconciliou com a minha Faculdade tantos anos depois e dou praticamente como esquecidas as dezenas de tostas mistas que devo ter comido naquele bar tão característico, as horas imensas nas filas para arranjar o único horário possível, o desconfortável pavilhão velho e a corrida para apanhar o 38.
O conhecimento que tenho das praxes tem sido através da comunicação social e tudo aquilo me deixa agoniada, perplexa e confusa. As práticas que me parecem claramente humilhantes são, pelos vistos, uma festa, ritos iniciáticos praticados por estudantes-doutores com três cadeiras, ao submeterem os seus "inferiores", ou seja, colegas recém chegados, a inexplicáveis graçolas, algumas de uma enorme violência física e psicológica.
Em 09/01/03 escrevia José Pacheco Pereira no Público:
A Estupidez da Praxe Rito de passagem? Mas que passagem? A única coisa que os estudantes transportam do liceu para a universidade é a sua carga de ignorância. A cultura juvenil revê-se num mundo de grosseria e ignorância (...)
A cultura juvenil revê-se no Quim Barreiros, nas peripécias futebolísticas e no Big Brother, num mundo de grosseria e ignorância em que ler alguma coisa mais do que os jornais desportivos ou a "Caras" é excepcionalíssimo. Aliás, a praxe e as claques futebolísticas partilham muita coisa em comum - a violência latente, o culto pela obscenidade, a demarcação clubística entre "nós" e "eles". Tenho para mim que um dos sinais de degradação do ensino universitário nos últimos anos foi a progressiva introdução da praxe. Subitamente, após uma sadia desaparição da praxe nos anos 70, começou-se de novo a ver rapazes e raparigas vestidos de uma imitação de padres de gravata, o chamado "traje académico". Em muitos sítios onde este nunca fora "tradição", inventaram-se novos "trajes", todos eles ridículos e um pouco à moda dos bobos da corte das imagens medievais. Só lhes faltava pôr uns sininhos para parecerem o "coringa" dos baralhos de cartas. continua(...)"
Na Origem da Espécies : Mais do que isso: (...) Esse mundo miserável que vibra com desfiles de carros alegóricos, bênção das pastas, missas em descampados (com meninas pintadas à pressa, vestidas de homem, de cabelo escorrido), queima das fitas, é mesmo assim.(...)
Podeis dar erros ortográficos, fechar os portões da universidade (e desta vez a sério), recusar-vos a ler, frequentar o shopping, reprovar à vontade. Eu triplicaria as propinas para essa gente, até conseguir expulsá-los da universidade.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Miss Pearls:
Partamos de um princípio correcto expresso no seu post: nos anos 70 a praxe não existia nas Universidades de Lisboa e Porto e apenas subsistia da U. de Coimbra, a mais provinciana universidade portuguesa (e a mais provinciana cidade portuguesa, acrescento eu).
O que mudou "as coisas"? Não me lembro de semelhante coisa (praxe) na minha Universidade, p. ex. Se formos ver, a praxe continua praticamente inexistente nas Universidades tradicionais: os meus filhos andaram na "Católica" e no "Técnico" e, no máximo, existiam alguns resquícios s/ importância. A praxe foi, isso sim, "recuperada" por algumas Universidades "emergentes" (na província e fora dela) como caução de um prestígio inexistente, um pouco no mesmo sentido que o fazem os "social climbers" com as "marcas", que tanta importância adquiriram nos anos 80 para a sociedade "arrivista" (tb já o meu pai falava nos "volframistas" dos anos da WWII). São duas facetas de uma mesma realidade emergente mas provinciana, com "mtª terra ainda debaixo das unhas". Acresce que para essas universidades vão normalmente os piores alunos, de meios socialmente menos cosmopolitas e informados, pertencentes a uma classe média de mtº fresca data,com a pintura ainda por secar e que, por isso, deixa ver o "que está por debaixo", que vêm essa mesma universidade não como fonte de "saber" e de "formação" mas apenas como uma "ferramenta" utilitária para esse mesmo objectivo de (pseudo) ascenção social (que, dada a fraca qualidade de mtªs dessas Universidades,normalmente, apenas se consubstancia no título académico). Este, aliás, é um dos problemas básicos do Portugal de hoje e, talvez, a pior herança dos anos do "cavaquismo" infelizmente s/ alteração subsequente. daí tb o fascínio pelas revistas "cor de rosa" e pelas profissões que permitem "resolver a vidinha" s/ grande esforço.
Mas, atenção, o problemas das "claques" de futebol é outro, completamente diferente, e não tem nada que ver com isto!

JC

JC

1:39 da tarde  
Blogger Proud Bookaholic Girl said...

Sou estudante universitária e , como tal, conheço relativamente bem as ditas 'praxes'. Mas também há aqui uma questão que não foi abordada, é que, existe algo chamado 'anti-praxe'. Qualquer estudante que não queira ser praxado, basta dizer estas três palavrinhas mágicas: 'Sou anti-praxe!'. Obviamente que, infelizmente, muitos não o fazem por acharem que serão postos à margem pelos ditos 'veteranos' (o que eventualmente acontece). Mas todos os estudantes podem fazer uma escolha! O que infelizmente acontece muito é calarem-se porque ' se os outros são praxados, talvez seja melhor ficar caladinho/a e ser também...' A maior parte dos estudantes aceita as praxes pura e simplesmente para não correrem o risco de serem olhados de lado ou excluídos do grupo. Isto é grave. Eu fui e sou anti-praxe, sem medos!

3:24 da tarde  
Blogger mike_bl said...

Eu não me importei de ser 'colocado à margem pelos veteranos'.. É que para conhecer novas pessoas e apanhar bebedeiras não acho necessário fazer figuras tristes..
Mas não sou contra as praxes.. Afinal vivemos em democracia e cada um tem a sua opinião.. Se existem pessoas estúpidas o suficiente para aceitarem algumas barbaridades em nome da 'integração'..

10:05 da tarde  

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