Dia de descanso, dizem eles.
Ao contrário do que previa a meteorologia, o tempo está luminoso neste dia Feriado, dia de descanso por imposição legislativa. Pelo menos parece-me: provavelmente ando satifeito, como me fizeram notar os empregados do café da rua onde, uma vez por outra, bebo a minha água mineral com gás entre dois dedos de conversa com as moças do cabeleireiro. "Apareça lá no salão, vizinho, que lhe fazemos uma atençãozinha", dizia-me há dias uma morena com um fugidio sotaque brasileiro. Agradeço com o compromisso para breve de umas boas navalhadas, mas fosga-se, ali não ponho os pés. Elas nao sabem que fico sem jeito com tantas mulheres à minha volta, onde o pecado vai do lavatório para a cadeira de corte, entre toalhas e pentes por mãos sábias que me parecem doces.
Ao contrário das outras manhãs, as ruas parecem respirar ou ganhar fôlego para os dias úteis com gente em trânsito para empregos, compromissos, enfim, a viver quase sempre a correr.
Mas lá está aquele camelo a buzinar, afogueado, contra os segundos de hesitação do carro da frente. Muito corre esta gente, não se julgue que os que não trabalham levam as manhãs com mais lentidão e menos relógio., mas veêm-se poucos velhos. Preferem as manhãs dos dias úteis, os que gozam ainda de alguma autonomia para tratarem dos restos das suas vidas em farmácias, correios, médicos, um jogo de cartas ou o repouso no jardim com os netos que ainda podem ajudar a criar. Lisboa já foi uma cidade amável para os velhos, agora já não é. O cidadão carro tomou-lhes as pracetas, os passeios e os locais de lazer. E a gente deixa, é isso me aborrece.
Ausentes das manhãs de dias santos estão também os jovens, no sono dos justos depois de alguma noitada, de persianas corridas e quartos silenciosos. Cada vez em maior número, veêm-se alguns esforçados desportistas a correr ou de bicicleta, os cavalheiros do pão e do jornal, mulheres de sacos cheios, e jovens pais com os carrinhos de bebé, mas gosto de reparar nos amantes, cabelos ainda húmidos, em passo lento, cúmplices e de olhar ausente deste quotidiano. O tempo deles é outro, como o café que tomam sem pressas, em movimentos que só eles parecem reconhecer.
E nos Feriados de manhã na cidade grande, também ando eu. Que dirão os outros de mim?
Natureza-Morta com Um Cacho de Uvas Suspenso, c. 1630
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