"Conta-me os teus sonhos"
Na radio regressaram as canções de Natal e, quase como num reflexo, ia deitar-lhe a mão para a calar, que tinham sido muitos natais sem vontade de cantigas. Porém, deixou-a ficar. "E que se lixe a Dickinson, mais a esperança em forma de ave que pousa na alma a cantar melodias sem palavras e sem nunca parar. Pois eu gosto das melodias, gosto das palavras, e a esperança morre muitas vezes, chega mesmo a morrer todos os dias".
A verdade é que andava inquieta e cheia de medo, mas que raio lhe havia de acontecer. A vidinha estava a correr como Deus quer, sem sobressaltos, clarinha como água, com os croissants aos Sábados na praceta, as compras no mercado da zona, uns livros, filmes de vez em quando, um ou outro jantar com amigos, e agora isto. Coisas do acaso, a cena do costume (girl meets boy) e, por arrastamento, o kit completo dos sentimentos, que é como quem diz ansiedade, nervosinho, falta de apetite, e tudo aquilo que a gente está farta de experimentar.
Durante dia, até chegar o sono, ia desfiando as contas do rosário das dúvidas do costume, mais as contas do passado, mais espinhos que rosas, mas porventura o melhor é como no filme e largar o que já passou, que só se encontra mil passados e nenhum futuro.
Curiosamente, no meio de todo este sobressalto tinha encontrado tranquilidade e recuperado um pouco da alegria perdida. Quem a conhece, viu-lhe a casa de Natal com luzes a piscar, os desejos embrulhados em papel vermelho com estrelas, as tristezas meteu-as em caixas com azevinho, as saudades embaladas em cartolinas prateadas com estrelas azuis e as alegrias em pacotinhos com laços de seda.
Ouço-a rir lá na cozinha. O riso faz-se também das lembranças que se libertam do passado, dos momentos em que se omite, com cumplicidade, o que está sempre presente. Lá em cima, os deuses e os anjos hão-de ajudar, disse-me ela, que até já deixou de fumar.
1 Comments:
Se Deus quiser, não tardará o momento da libertação do passado. Já é sendo tempo de lavar a alma
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