sábado, fevereiro 26

Um gato, dois gatos, três gatos.

Cedo percebeu que o pretexto da bicharada era um excelente motivo de conversa, quem sabe, namorar ou talvez casar. O céu é o limite, e o anel de noivado o seu passaporte. O tempo dos horóscopos já era, a discussão cnéfila já foi chão que deu uvas, mas agora tinha o gato, e o bicho deixava as suas marcas,visíveis nas mãos, a olho nú, a pele esgadanhada por unhas mal aparadas. Tinha finalmente encontrado uma causa, uma aberta, um pretexto e, como já disse, nunca se sabe como terminam estas coisas.
Em bom rigor, as feridas nas mãos não eram exactamente demonstrações de afecto pelos gatos: junto ao anelar, o ferro de engomar tinha deixado as suas marcas, e na parte superior do polegar jaziam as cicatrizes de forno quente. Eram as mazelas domésticas de pouca beleza e nenhuma sensualidade, mas com boa vontade e muito desconhecimento poderiam passar por carícias felinas não correspondidas.
"Tem algum gato?" E assim começava a conversa, o engate, o namoro e quem sabe onde estas coisas podem levar, a um café,  à cama ou ao casamento, que os desígnios de Deus são imprescritíveis, estava farta de saber.
Uma mão lava a outra, e quando a interlocutor por algum motivo não lhe agradava, dizia que tinha dois gatos, três, ou quatro, os que lhe apetecia inventar. Rapidamente também percebeu que não há romance que resista a uma sociedade protectora de animais em duas assoalhadas e se um gato é fofinho, uma ninhada é devoção e sacos de ração.
Não sei que será feito dela desde que mudou para uma casa maior: se mantém o gato ou se arranjou empregada para engomar as camisas dele e fazer os biscoitos para os filhos.
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