Os outros
Os idosos estão na ordem do dia. Só hoje detectei três belíssimos artigos sobre a velhice, ou melhor, o que é ser velho em Portugal: Tolentino Mendonça escreveu Os velhos deviam ser como exploradores, João Pereira Coutinho deu-lhe o título Enterrados vivos e Baptista-Bastos chamou-lhe "Corações ocos ".
Eu, que não vi os meus pais envelhecer comigo, procuro encontrar nos traços alheios da velhice, vestígios do que não tive a meu lado, do meu lado. Já lhes sentia a falta de resistência, de energia e o cepticismo, mas a morte não quis esperar. Talvez por isso, nada me mete mais nojo que uma sociedade que despreza os seus velhos, que os confina à indigência e ao esquecimento. O Estado não lhes proporciona a dignidade que merecem e as novas gerações dão-se mal com aqueles montes de trabalho que lhes tolhem a liberdade, a carteira e a boa vida, mas essses não são meus amigos. Velhos são os outros, velhas são as outras, como em alguns dos quadros de Lucian Freud, cheios de personagens disformes. Velha, porventura, serei eu também, mas agora chamam-lhe outros nomes.
Há dias em que espelho me devolve os traços que trato pelo nome, no quais reconheço sem esforço a cartografia de cada linha, sigo-lhes o norte e o sul, e acompanho, com alegria ou tristeza, a cronologia dos anos até encontrar uma luz mais clemente; quando me sinto sozinha, me chega o desalento ou a saudade, olho secretamente para as mãos.
Até lá, resta-nos "Aguentar firme e aceitá-la como ela vem" (Philip Roth, Todo o Mundo).
1 Comments:
Muito bem escrito Isabel . É bem verdade o que escreveste sobre os velhos .
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