terça-feira, novembro 24

Corte & escovinha

Gostava de saber o que iria pela cabeça daquele homem, ainda jovem, com quem há dias partilhei o mesmo salão de cabeleireiro (ainda se diz assim?). Parece-me que é bastante comum aparecerem por lá cavalheiros a cortar o cabelo. Nunca perguntei nem o tenciono fazer, mas acredito que fiquem um pouco constrangidos com aquele corropio feminino entre lavagens, secadores e verniz das unhas. Ao contrário da restante clientela, não têm literatura adequada. Ou melhor, não me recordo de algum deles alguma vez ter aberto as revistas cor de rosa ou de cabelos (levante o dedo aquela que nunca o fez). Depois, ninguém lhes dá conversa, o que me parece agradecerem. O cavalheiro do outro dia, sentado entre uma madura com alumínios no cabelo e outra madura de mão estendida com cabeça enrolada numa toalha, aguardava pacientemente a sua vez, enquanto ia estudando a vitrina dos cremes. De facto, o panorama era pouco animador: o desgraçado ficou a saber que o bebé da M tinha nascido com 3 kilos e meio, dormia bem e chorava pouco, que o talho tinha receitas novas e que a electricidade estava pela hora da morte. Chegada a hora de ser atendido, meia dúzia de tesouradas depois, escovinha no pescoço e estava pronto a sair, mas não sem antes ter pedido o frasquinho de gel do qual terá ficado com boa impressão. Mesmo sem ter direito a espelho na nuca, pareceu-me aliviado por sair dali. Nós ficámos. Uma mais loura, outra mais nova, a mais velha de unhas pintadas e a mais jovem ainda com mais manias.
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Texto reeditado
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