sexta-feira, fevereiro 13

A vida por detrás das estantes

Comemorou-se há dias o Dia Europeu da Internet Segura. Como toda as celebrações de efemérides, é só um dia de foguetório, avisos e boas intenções, mas não devia ser. Parece comprovada a falta de vigilância, atenção e cautela com que os pais e educadores encaram a utilização da internet sem fronteiras nem precauções. As séries americanas ficcionam realidades que se tornaram praticamente globais, os jornais e as televisão noticiam histórias que bem podem estar ao virar da esquina ou dramas de "conversas" manhosas com nicknames duvidosos.
Claro que é difícil o controlo dos meios digitais do presente, mas as solicitações são muitas e as oportunidades mais facilitadas. A curiosidade das crianças, essa é a mesma de sempre, mas agora com meios e circunstâncias diferentes.
Recordo que ainda não há muitos anos, como utilizadora de bibliotecas, reparava nas crianças, geralmente os meninos, escondidos entre as estantes, aos risinhos abafados à volta de um inocente livro de educação sexual, ou melhor, à volta das fotografias sobre o sistema reprodutor M/F. Os malandrecos do costume, com uma amostra de borbulhas e acne, arriscavam a secção de banda desenhada, com preferência para os "clássicos" Milo Manara, quase desfeitos de tanta consulta. Ou então, era vê-los em extenuantes pesquisas nas estantes das revistas de fotografia, muito concentrados nas Photo. E apesar dos filtros e por muito vigiadas que fossem as consultas na net, havia sempre algum espertalhão que furava as barreiras do permitido, mas nada que não pudesse ser controlado. Nada do que falo é de estranhar: eram tempos de descoberta nas portas abertas das bibliotecas. Recordo um livro que ocasionalmente desaparecia ou se encontrava com folhas rasgadas: o "Livro de São Cipriano", um manual para ingénuos aprendizes de feiticeiro, versão caseira dos professores karambas da actualidade. É isso, dá vontade de rir...
Claro que eu também tive o meu index particular: os livros das prateleiras superiores daquelas estantes enormes de madeira escura que dominavam paredes inteiras. Não consigo deixar de sorrir com a recordação da leitura à socapa do livrinho "A freira no subterrâneo", uma tradução de Camilo Castelo Branco, cheio de palavras difíceis e cenários de perder o sono. Apesar das intermitências, não descansei enquanto não o terminei e consegui o feito de ter chegado ao fim daquela desgraça toda sem saber o significado da palavra "amplexo". Devia ser uma coisa terrível, imaginava eu.
Muitos anos mais tarde levei para casa "A Religiosa" de Diderot com uma requisição de leitura e sem necessitar de dicionário. Continuo uma católica esforçada.

1 Comments:

Blogger K. said...

Dia Europeu da Internet Segura???

:D

10:47 da manhã  

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