No quente
Bem sei que estou a escrever com 27 o, mas isto das notícias constantes sobre o frio é uma seca. Estou como o Francisco: "Andamos mariquinhas com o clima. Chove na época das chuvas? Neva no Inverno? Faz calor no Verão? Caiu granizo? Há geadas em Novembro? Alerta amarelo. Há um vírus de gripe por aí? As urgências entupidas e alerta amarelo."
Hoje de manhã, uma televisão ensinava como preparar as crianças para o frio: várias camadas de camisolas quentes, não em excesso para não enchouriçar, (a expressão é minha), proteger a cabeça e os pés. Outra televisão avisava do perigo das botijas, lareiras e braseiras, e todos se atropelavam na tenda para os sem-abrigo montada pela Câmara de Lisboa, com jornalistas indiscretos à cata de boas histórias, ou seja, histórias de vida desgraçadas. Talvez por isso não se ouviram perguntas tolas sobre a forma como enfrentava o frio gente que num país que desconhecem, toda a vida viveu com o frio no Inverno e calor no Verão. Só na cabeça daqueles jornalistas é que isto se transforma num problema. O que talvez não saibam é que, em muitas das aldeias portuguesas, em que o Inverno enche as páginas da necrologia da imprensa regional, terras desertificadas de força de trabalho, o problema é a inexistência de gente que faça chegar a lenha a casa dos mais idosos. Mais do que a solidariedade institucional e terminada a rede social que a igreja mantinha, só a amizade dos que ainda podem lhes tornam os serões menos frios.
Também podiam ser notícia os milhares de crianças que diariamente se deslocam em autocarros das aldeias para os estabelecimentos de ensino mais próximos, que se levantam com as galinhas e, com um frio de rachar, lá vão elas, curva e contra-curva por estradas manhosas, a tempo da primeira aula da manhã. Sei do que falo: fui uma delas, felizmente por poucos anos em doze quilómetros de estrada razoável.
Bem sei que escrevo com uma temperatura de quase 27 graus, mas nunca me esqueço daquela manhã em que deixei no autocarro o saco novinho em folha com o material para a aula de desenho e, quando cheguei à escola lavada em lágrimas, estava uma mulher à porta da escola a tentar encontrar-me com o saco na mão.
As voltas que o frio deu ao post.
4 Comments:
As voltas que o frio deu ao post? A escrever com 27 graus não serão as voltas que o quentinho deu ao post? E ainda bem, que está muito bom. :-)
também sei do fala Isabel .. na "minha aldeia" felizmente, continua a solidariedade e amizade de alguns vizinhos para colmatar essa falta de lenha aos mais idosos, que tão bem refere.
E as temperaturas por lá? Alguns graus negativos! ;)
Bom fim-de-semana *
Concordo totalmente!
Bom final-de semana.
:-)
Se este não fosse um país da treta, com uma comunicação social da treta, as reportagens não eram feitas para perguntar aos cidadãos se têm frio, em pleno Inverno e na serra... E se, ainda assim, o frio tem mesmo que entrar no "alinhamento" noticioso, então, concordo consigo, façam reportagens sobre as "redes" de solidariedade (ou sobre a falta delas) para apoiar a população idosa e isolada, ou sobre as escolas em que os alunos e os professores congelam (até ass fontes de alimentação dos pc's estouram, acredite!).
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