Quem não vê tv

E enquanto a minha rua, ou melhor, o meu bairro, se esvaziava anunciando o início do jogo, uma vizinha (claramente uma excelente patriota), vestida a rigor de selecção de futebol, arejava não um, mas dois canitos que aproveitaram o período de aquecimento para se aliviarem à minha passagem, num local que até poderia ser uma bonita zona ajardinada. Mas isso era preciso que a vizinhança quisesse, a bem do ambiente, do bairro, da cidade e até do país que tanto amam, a avaliar pela bandeiras nas janelas.

É uma sensação curiosa, com as ruas e os jardins só para nós, apesar de sabermos que a cidade não se encontra deserta. Os sons das janelas abertas e dos cafés com venda improvisada de cerveja nas esplanadas, não enganam. Só para nós? Engano. Há gente bizarra, pouca bem sei, que não se importa com os feitos heróicos dos rapazes do futebol. Gente insensível e pouco patriota, só pode.

O hábito faz-nos caminhar com ritmo acelerado. Tolice a nossa. Aquilo era mesmo um passeio de final de tarde nas ruas vazias de uma cidade. O casal de meia idade percebe disso melhor que nós, as mulheres que passeavam os cães prolongam a rotina de todos os dias e só a rapariga com sacos de plástico acelera o passo à proximidade do autocarro, para se juntar às outras que já prosseguem viagem, talvez em final de turnos.

À minha frente segue um grupo de jovens estranhamente imunes ao que se passava na Suiça. Assim que nos cruzámos, surgiu a explicação para este comportamento algo desviante: eram franceses. Mais à frente, uma senhora punha, sem pressas, as finanças em ordem com um multibanco só para ela e um casal de namorados adolescentes, antes que o sossego terminasse, tinha mais que fazer num jardim só para eles.

Subitamente, os carros começaram a buzinar e a circular com velocidade, dando a entender o final do jogo e da crise dos combustíveis. Lá ficaram os mil despojos da noite espalhados na relva. Não aprendem nada com a Suiça.