terça-feira, maio 27

Vésperas

Chego encantada. Não me recordo de alguma vez ter visto a Procissão de Corpo de Deus em Lisboa. Na minha infância, lá na aldeia, fazia praticamente parte da organização desta Festa e de todos os acontecimento que a igreja local tinha a seu cargo. Por osmose, sem ais nem uis nem dúvidas de fé.
É verdade que sem conhecer o corropio dos tempos que antecediam os Dias Santos será difícil adivinhar o entra e sai daquelas mulheres (sempre as mulheres) que, entre a horta e as refeições, passavam o seu tempo nestas organizações. Dizia-se "compor a igreja". Elas sabiam tudo e de tudo: as cores, as flores, as leituras, o incenso, os cânticos, quem ia à frente e os andores, sem protocolos nem escritos. Mais velhas, doentes e cansadas, algumas delas ainda dão uma corrida à igreja que recuperaram com dinheiros de muitas festas de Agosto. A mim, deixavam-me ver. Pelo menos, não corriam comigo, não estorvava e ficava sempre à frente. Os homens, os rapazes e os meninos ficavam em pé, lá atrás. Era e ainda é assim.
Mas uma Procissão numa cidade grande? São quatro ou cinco ruas, bem sei, há muita gente junto aos passeios, nas praças, mas não há ninguém às janelas, nem colchas, nem flores. Da igreja sai a opulência da celebração, a rigor, com solenidade e protocolo. É assim em todo o lado, com maior ou menor riqueza, mas o melhor da sacristia a brilhar, o mais sagrado, diz quem acredita. Saem as confrarias, as irmandades, as entidades, o clero, alguma aristocracia, todo o povo devoto que deseja romper as barreiras que nos separam uns dos outros* e que os turistas não querem perder nas suas fotografias.
São as Festas da igreja que a cidade vive com nobreza nas suas ruas.
* Papa Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22 Dez05
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NOTA: Creio que Fialho de Almeida descreve a Procissão do Corpus Christi no "Lisboa Galante", mas à hora a que escrevo isto não o posso confirmar.
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