sábado, dezembro 22

Sons da rua











Passam por mim, cruzam-se comigo, os sons da rua que ouço neste fim de tarde. Das cabines, saem vozes em línguas estrangeiras, agarradas às outras vozes para não fugirem, tão longe que estão. A brasileira que que já aprendeu a saudade, fala sem sorrisos nem trejeitos, os eslavos de modos simples seguram o saco com olhos no chão, gente com tanta gente ausente a fazer pelo regresso ou por uma vida com todos, feita noutra língua que demora a aprender.
À saída das lojas, discutem-se as compras, ajeitando os tamanhos por necessidade ou oportunidade. São os tecidos "que cedem sempre", a pele dos sapatos que "dá de si", o livro que se pode trocar, o dinheiro que se gasta e quase sempre a alegria que falta. Pais e maridos, pouco habituados às exigências destas lides, trocam impressões irritadas por telefone, outros discutem mesmo ali, os mais idosos observam em silêncio e as crianças salvam o dia, mesmo com birras de cansaço ou olhos chorosos. Que o Natal não é só aquilo, não é obrigação, não são os sacos cheios nem a tia velha com os gatos, uma vez por ano, no lar da outra banda.
O riso faz-se também das lembranças que se libertam do passado, da lealdade dos amigos que nos abrem as portas, dos momentos em que se omite, com cumplicidade, o que está sempre presente. É isto a que chamo generosidade.
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