sábado, agosto 25

"Os amantes da baía"

Eduardo Prado Coelho: 29/3/1944- 25/8/2007
Os Amantes da Baía por EDUARDO PRADO COELHO Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2004 É possível que eu projecte sobre a recordação da praia de São Martinho do Porto imagens que nunca existiram - que a praia seja a praia onde eternamente somos, numa adolescência deslumbrada e sem fim. Todas as manhãs corríamos à janela para ver se o tempo estava bom. Mas, enquanto chegavam notícias de que o país era banhado por um sol esplendoroso, São Martinho obstinava-se em ter uma bruma matinal, húmida e fria. "É um microclima", dizia o meu pai. É verdade que por volta do meio-dia desencadeavam-se uns ventos impiedosos que varriam as nuvens e clareavam os céus. Mas o vento instalava-se às vezes de um modo tão intenso que a boca se enchia de uma areia fina, os jornais voavam, os toldos voltavam-se sobre si próprios, as mães vestiam as crianças com casacos de malha. "É um microclima", comentava o meu pai. Mas gostávamos daquele jogo das escondidas com o calor e o sol. Gostávamos de andar com os pés a chapinhar ao longo da baía até chegar às dunas. Gostávamos da rua dos cafés, de subir até ao Facho, de ir a um bar na Nazaré ou de comer pão-de-ló em Alfazeirão, ou javali num restaurante popular da estrada para as Caldas. Gostávamos das mesas nocturnas onde a nobreza doutros tempos e a grande burguesia se lamentava das desgraças do 25 de Abril e chamava "crise" às tostas mistas com que alguns se alimentavam. Gostávamos de andar pelos montes, de ir à capela para ver o pôr do Sol. Num dos poemas que Luís Miguel Cintra escolheu para dizer num livro-disco dedicado à poesia do Ruy Belo (e publicado pela Assírio e Alvim), podemos ler versos que evocam esta espécie de estado de graça em que a felicidade vinha do lado do mar: "O tempo das suaves raparigas / é junto ao mar ao longo da avenida / ao sol dos solitários dias de Dezembro / Tudo ali pára como nas fotografias / É a tarde de Agosto o rio a música o teu rosto / alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar." E mais adiante: "Somos crianças feitas para grandes férias / pássaros pedradas de calor /atiradas ao frio em redor / pássaros compêndios de vida / e morte resumida agasalhada em asas / Ali fica o retrato destes dias/gestos e pensamentos tudo fixo /.../ o tempo é a maré que leva e traz /o mar às praias onde eternamente somos / Sabemos agora em que medida merecemos a vida." (continua) (foto)

1 Comments:

Blogger Teresa said...

aquela neblina matinal, até era propícia para ficarmos até mais tarde na rua dos cafés ou nas escadas das casa à conversa com os amigos. reli sensações que já tive.
obrigada pelo momento.

8:15 da tarde  

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