Vias pombalinas
Tenho para mim que não há outro sítio no mundo onde se ofereça tanto folheto publicitário como em Lisboa, mais precisamente na Baixa. Ainda não ia a meio da Rua das Portas de Santo Antão e já tinha na carteira um folheto de dois restaurantes indianos, um chinês e de um português. Por educação, aceito sempre. Deve ser por isso que por vezes tenho o carro cheio de panfletos coloridos de promotores imobiliários, clinicas dentárias, lojas de móveis e ginásios, como se não bastasse os que nos vão colocando no pára-brisas e na caixa de correio, mesmo com o autocolante "Não, obrigada".
Mas voltando à Baixa, eles lá estão à saída do Metro oferecendo jornais, cursos zen, espectáculos, restaurantes e tudo o mais. Raramente leio mais que uma linha (quando leio), mas evito deitar fora o folheto assim que o recebo. Não sei bem porquê. Acho que aquilo de ter montanhas de papel para oferecer deve ser muito, muito chato e a bem dizer só aceita quem quer, que ninguém nos aborrece. Curiosamente, por vezes encontro uns "distribuidores" em grupo, mais profissionais e de carrinhos de mão. Suponho que sejam os dos supermercados com as ofertas de ocasião. Pelo menos, não dão cabo das costas.
Mas na Baixa andam sempre a oferecer coisas, mesmo sem campanha eleitoral. Já uma vez tive direito a uma flor sem conhecer o motivo, mas o mais comum é o folheto azul, rosa ou branco, ou mesmo fotocopiado. Reconheço que seja barata, mas pergunto-me que resultados obtêm com aquela publicidade, principalmente com os indígenas.
Há uns tempos, um jovem ofereceu-me um desdobrável em se podia ver uma linda dentadura reluzente. Como já tinha recebido um igual, ia declinar educadamente quando o rapaz me diz que "é para acabar". Bastava olhar para o saco para nos apercebermos de que não era bem assim, mas aquele argumento pareceu-me inteligente.
Na Baixa já vi reis, rainhas, presidentes vários, cruzei-me com altas sumidades, conheço a geografia dos pedintes, identifico os homens e mulheres que carregam a vida dentro de sacos, manifestantes de causas diversas, praticantes de mil instrumentos, grupos de peles-vermelhas a tocar músicas andinas, tocadores de concertina, estátuas de fingir, pregadores, maçadores profissionais de inquéritos, jornalistas em entrevistas de rua ... sei lá que mais.
Seja onde for, na Baixa ou noutro sítio qualquer, é sempre preciso querer ver.
(Editado em 2007 com alterações)
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