Tempos de Páscoa
Um delírio de amêndoas da Páscoa invade os supermercados. Quanto maiores, maior a mancha de cor à nossa escolha. Todos os anos há uma invenção mais sofisticada do que no ano anterior: alguém que me explique a relação entre um gigante ovo de Páscoa e bonés com emblemas de clubes desportivos. Pois lá estão eles, dois em um a preços módicos. Nem a Páscoa se livra de futebóis.
De resto, há géneros em todas as cores, gostos e bolsas. Habituada às clássicas francesas a peso, estas coisas confundem-me. Uma amêndoa é uma amêndoa, não é uma caixa de smarties. Depois lá estão os saquinhos engalanados com sortidos com licores, amêndoins, pinhões e outras variedades que desconheço.
Nos ovos de chocolate é um corropio. À semelhança do bolo-rei, o gozo era partir aquilo rapidamente para encontrar a surpresa. Uma treta, a maioria das vezes, mas tinha piada.
Numa época praticamente pré-histórica, em que a Páscoa era para ser levada a sério como celebração mais importante da religião católica, e falo em meios rurais, recordo bem a azáfama daqueles dias. Havia esmero, aprumo e brio nas limpezas, nas casas, nas igrejas e nas cozinhas. Vestiam-se vestidos novos, tiravam-se os linhos, as colchas e havia sempre flores. A Quaresma era rigorosa, soturna e respeitada. Aliás, um pouco como os indígenas.
Havia amêndoas para todos mesmo para quem não podia. A vizinhança, a amizade e a devoção das festas serviam-se em pacotinhos cinzentos comprados avulso.
Enquanto as televisões estão ocupadas com pacifistas incendiários, um demente perigoso na Coreia do Norte, um dinamarquês que se agacha, multidões ululantes perante um casal de estrelas americanas, empresas perdulárias e o novo genocídio rodoviário que se aproxima, algures por aí fora, num Portugal que não se vê, há gente que se reúne que se conhece, que se revê, que se importa e que partilha os mesmos espaços com uma saudação.
Quem costuma passar o fim de semana da Páscoa em aldeias do interior e que leva a sério as celebrações (gente que vive nas trevas, tradições de um país obscuro e medieval, dirão alguns) sabe, como eu, que anda tudo a toque de caixa, ou melhor, a toque de sino. Entre a sobriedade da Sexta Feira Santa e os festejos do Domingo, nas casas onde ainda não chegou a velhice e a migração, saem as tradições às ruas, as devoções às igrejas e os costumes às mesas.
Ainda não há muito, em tempos de certezas e lanches de fatias douradas, bolos de azeite e mel e chá em toalhas de linho saídas das malas, a programação da televisão era também parte das festas. Eram tempos de estar em casa, em que se recebiam os forasteiros, os compadres, os ricos e os pobres, os incréus e os crentes: eram as Boas Festas. Coisas de país atrasado, dirão alguns de novo.
Actualmente, olho à minha volta neste país moderno. Por mil e uma razões sinto uma enorme tristeza.
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