Em viagem

Em viagem, há gente que não dispensa uma boa merenda, ou se preferirem, o farnel. Até ao quilómetro cinquenta, vai-se gozando com a caixinha ou com o saco térmico da mãe, da tia ou da avó. Depois disso, e sem pingo de vergonha, acabamos por aceitar o pastelinho, o pão fresco com fiambre ou o iogurte líquido, que nos fazem esquecer e engolir o gozo com que se entretinha a viagem. Com complacência e ar de quem já previa a fome colectiva, a proprietário da farnel ainda se dá ao trabalho de avisar que há mais para quem quiser, é só dizer. E protesta, escandalizada, contra os preços milionários dos croissants plastificados e do café reles que vê largar ao balcão da estação de serviço mais à frente, corroborada pelo mesmo coro grego que há minutos quase desdenhava a buchinha em papel metalizado.

Já não falo das crianças a quem dá a fome muito antes da primeira portagem. Nem sequer daqueles farnéis de outros tempos na linha da Beira-Baixa, capazes de causar os maiores traumas a viajantes mal informados (maldito queijo de cabra). Por falar nisso, recordo-me sempre de uma cena que ainda hoje consta do anedotário familiar: armada em boa samaritana pergunto a uma senhora de meia idade se necessita de ajuda para transportar o saco para a outra linha. Já não me lembro se terá agradecido, mas apontou para mais meia dúzia deles apinhados no cais. A avaliar pelo peso, devo ter transportado, perante o olhar de tias descompostas de tanto rir, mil e um farnéis para toda a família, que aliás os vieram recolher à chegada. Pudera.

Voltando a merendas mais frugais e a preços milionários de croissants plastificados, em horas de aperto não há quem não troque reinos inteiros por uma estação de serviço.