terça-feira, outubro 7

Contactos e cartão de memória

Na memorável novela Gabriela havia um personagem fantástico, indomável patife, um mulherengo praticamente inútil chamado Tonico Bastos, sedutor com fama e proveito, a quem não escapava uma. Suponho que trabalhava num Cartório, onde atendia com desvelo as suas viúvas e órfãs e era casado com uma piedosa mulher a quem mentia com a mesma displicência com que penteava um irritante bigodinho ou sacudia algum pó invisível do casaco. Para além disso, antes de terminar as conversas, punha um ar blasé enfatuado e perguntava “Já lhe dei o meu cartão?” e eu achava graça porque ele carregava nos "érres".
Vem isto a propósito dos "contactos", os nosso dados, que distribuimos a torto e a direito, seja para a compra de um frigorífico, consulta médica, reserva de peça de roupa ou para encomenda de um bolo.
Ao contrário do cartão de Tonico Bastos, que compulsivamente oferecia uma espécie de serviço dois em um, ou seja, préstimos profissionais e um coração generoso, torna-se hoje praticamente irrecusável fornecer elementos que nos identificam e pelos quais nos tornamos contactáveis a qualquer momento. Deve ser também por isso que tanta gente que desconheço, sente absoluta necessidade de falar comigo, de me contactar, a maior parte das vezes à hora de jantar, com ofertas de produtos, serviços, promessas e até mesmo alguns Mensageiros da Fé com irrecusáveis propostas de Salvação Divina, felizmente sem juros. Certa vez cheguei a aplicar a estratégia Seinfeld, mas depois disso, perdeu a graça.
Mas isto sou eu a falar. Quem nunca perdeu o telemóvel e claro, os contactos, não sabe a maçada de que se livrou.

1 Comments:

Blogger **** said...

Gostei desta sua passagem por umas das primeiras novelas em Portugal para ilustrar um tema tão quotidiano.

A personagem recordo-me dela muito claramente e sei que bem válida para a questão que aborda dos contactos.
A mesma que serve para ridicularizar "os indomáveis patifes","(...) homens casados", inúteis "mulherengos" que de "ar blasé" se pavoneiam pelo nosso espaço.
Intemporal, este espécime.
Gostei.

10:53 da manhã  

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