domingo, setembro 23

No tempo em que não existia o "post it"

Eu sabia que um dia haveria de concordar com a Fernanda Câncio, com quem, aliás, nunca falei. Foram os seus moinhos de vento que levaram a que nos tivessemos encontrado na Baixa e nas memórias de locais que também conheci. Outros tempos, em que as escolhas eram feitas com vagar e com a paciência dos lojistas, conselheiros de pormenores e de pequenos tesouros guardados em mil e uma gavetas. Opiniões à parte, sei bem a falta que me fazem as lojas de ferragens da Praça do Comércio para as fivelas que se perdem, molas a necessitar de reforma, outrora romaria da minha juventude para os adereços da moda (que figuras, valha-me Deus.)
"(...) Como o Adamastor, foram-me desaparecendo, ano a ano, quase todas as “minhas” lojas da Baixa (...) a casa Sibel, um sexto andar na Rua dos Correeiros onde se confeccionavam cintos(...) mais o Lopes & Lopes, uma loja/oficina na Praça da Figueira onde se vendiam cabedais e camurças e se mandavam fazer carteiras de senhora, cortar cotoveleiras e cintos, cravar molas e tachas.
Agora foi a vez da mais faustosa das sobreviventes da Baixa-Chiado, a Casa Souza(...) ".
Recordo-me bem dos tecidos com flores (outro horror), os veludos pesados, o voile, georgette de seda, tules, damascos, piquês, duas alturas, três metros à vontade. Uma maçada para meninas e meninos encostados aos balcões naquele paraíso das damas. Maçados mas calados. Em jovem adulta, a maçada haveria de surgir mais tarde com dia e hora marcados, sobe bainha, pesponto aqui, corte acolá, endireite as costas e meia dúzia de alfinetes. Uma seca. Ou melhor, as que fossem necessárias.
Da Casa Souza ficaram-me as memórias. Perdi a companhia e assim perdeu-se a graça. Curiosamente, ao fim de tantos anos voltei a entrar lá com as palavras da Fernanda. É como diz: cada um tem os seus moinhos de vento.
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