quarta-feira, fevereiro 28

Histórias de lareiras (6)


(...) Jantar alegremente numa horta, debaixo das parreiras, vendo correr a água das regas – chorar com os melodramas que rugiam entre os bastidores do Salitre, alumiados a cera, eram contentamentos que bastavam à burguesia cautelosa. Além disso, as tempos eram confusos e revolucionários: e nada torna o homem recolhido, conchegado à lareira, simples e facilmente feliz – como a guerra. E a paz que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências do desejo.

Macário, aos vinte e dois anos, ainda não tinha – como lhe dizia uma velha tia, que fora querida do desembargador Curvo Semedo, da Arcádia – «sentido Vénus».

Mas por esse tempo veio morar para defronte do armazém dos Macários, para um terceiro andar, uma mulher de quarenta anos, vestida de luto, uma pele branca e baça, o busto bem feito e redondo e um aspecto desejável. Macário tinha a sua carteira no primeiro andar por cima do armazém, ao pé de uma varanda, e dali viu uma manhã aquela mulher com o cabelo preto solto e anelado, um chambre branco e braços nus, chegar-se a uma pequena janela de peitoril, a sacudir um vestido. Macário afirmou-se, e, sem mais intenção, dizia mentalmente aquela mulher, aos vinte anos, devia ter sido uma pessoa cativante e cheia de domínio: por que os seus cabelos violentos e ásperos, o sobrolho espesso, o lábio forte, perfil aquilino e firme, revelam um temperamento activo e imaginações apaixonadas. (...)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Carissima vizinha,

Não era esta - a rapariga loura - que era cleptomaniaca ?

Best regards,

9:39 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O dia cinzento e chuvoso puxa-nos pela imaginação...
O que seria neste instante estar na companhia de Eça, num lugar acolhedor e convidativo a saborear as nossas singularidades...

3:03 da tarde  

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