sábado, setembro 30

Da descida do Alvendre à guerra civil nas estradas portuguesas

Chamavam-se Joana, Ana, João, José, Maria, X, Y, Z., centenas de mortos e estropiados, 19 anos depois da sua construção.
A esta hora devem estar a almoçar. Dezenas de entidades de fato e gravata viram o filme da nova A 25. Espero que tenham solucionado os graves problemas de sinalização que existiam num dos troços dessa nova via, conhecido como a "Bossa do Camelo", entre Viseu e Mangualde - uma curva de raio muito apertado (240º) que obriga a que o limite máximo de velocidade não exceda os 80 km/hora. Espero que não aconteça lá nada de muito grave que os obrigue a ver o filme de novo. Mas adiante, que hoje é dia de inaugurações e o feito é bom.
Está (quase) tudo no artigo da Paula Sanchez no DN, uma jornalista que com o seu trabalho e tenacidade, também ajudou a quebrar o silêncio que cobria um país, dores murmuradas nos hospitais e vozes caladas de tantas familias destruídas. Sim, porque as vítimas são, por natureza, silenciosas.
Faço minhas as palavras do Eduardo Dâmaso no seu editorial:
(...) "Algumas das novas estradas, em particular os IP, tinham problemas de construção, de projectos mal feitos, de materiais defeituosos, de sinalização assassina. Os partidos, sobretudo PS e PSD, assimilaram mal os problemas de um novo paradigma de sucesso para Portugal e transformaram as estradas em território de confronto político. Obedeciam aos respectivos lóbis regionais e discutiam quem é que tinha mais "obra feita", mais quilómetros de estrada nova construídos. Durante muito tempo não enfrentaram a tragédia que as novas estradas colocavam. Foi necessário que cidadãos atingidos pela carnificina se mobilizassem para que as consciências mudassem. Para que se começasse verdadeiramente a perceber que havia - e ainda não acabou - uma guerra civil nas estradas. Finalmente a sociedade civil despertava para uma boa causa, finalmente a sociedade civil conseguiu ir ganhando espaço reivindicativo sério face à implacável surdez política.(...)
A sinistralidade ataca-se, no plano do direito penal, de forma ainda desproporcionada em relação à sua enorme gravidade. E sobretudo não se ataca, de modo absolutamente nenhum, esse enorme pântano de silêncio e omissão que é a responsabilidade das empresas de construção civil, de projectistas e de governantes. Na verdade, comprovada a culpa da má construção das estradas em tantas mortes, ninguém foi punido, ninguém pediu desculpa às famílias dos que morreram."
O resto, está aqui, ali, atrás das portas de quem se arrasta anos a fio pelos tribunais e pelos hospitais, sem saber como viver com o trauma, o desgosto, a perplexidade, a injustiça e a imensa saudade.
Fatalidades, dizem eles. Não, obviamente que não.

5 Comments:

Blogger JC said...

Cara Miss Pearls:
A ACA-M é dos casos de maior sucesso de cidadania que conheço em Portugal. Eu, que felizmente nunca me confrontei com nenhum acidente de automóvel grave na família, fruto dos alertas da ACA-M, cada vez que guiava no IP5 fazia-o com o dobro do cuidado. Talvez isso me tenha salvo a vida, e a muitos outros, sabe-se lá. Obrigado!
JC

7:13 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Obrigada pelas palavras.

Ouviu o Sócrates? ELE esteve presente no governo que lançou a obra, ELE esteve presente no governo que assinou a empreitada, ELE está presente na inauguração.
Omissões feitas propositadamente, a fazer-se esquecido da história.

Quando confrontado com acção dos Utentes da A25, viu -se bem na televisão a reacção dele de desrespeito e de falta de consideração que tem pela "sociedade civil". A "sociedade civil" para ELE só existe quando está do lado dele. Tremenda arrogância a DELE.
Nada que não se soubesse já.

8:37 da tarde  
Blogger JC said...

Não, não vi tal personagem. Estive fora de casa todo o dia e quando cheguei foi para posts, este comentário e arranjar o saco para ir amanhã de "boleia" de última hora a Madrid - que é a terra do meu pai - ver filha, genro e netos. Tb não perdi nada c/ certeza.

11:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cara Miss Pearls,
Tem todo o direito em detestar o Socrates, lá terá as suas razões, tal como eu detesto o Cavaco. Não será por isso que não continuarei a lê-la e a visitá-la com gosto. A responsabilização política é coisa que não existe em Portugal. E não há inocentes em nenhum dos partidos do regime que nos têm governado. Um abraço de solidariedade.

11:08 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

Caro Ariel.
Lá por não ter votado no Sócrates não significa que o deteste.
Quanto ao Presidente da República, estamos a falar de poderes diferentes, não é?
". A responsabilização política é coisa que não existe em Portugal. E não há inocentes em nenhum dos partidos do regime que nos têm governado."
Certíssimo!

12:28 da manhã  

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