segunda-feira, setembro 25

As pérolas do Rio

"Eu sei, é um clichê, mas nem por isso menos real: as grandes cidades podem ser masculinas ou femininas. Não me refiro à maior ou menor quantidade de pessoas de cada sexo nesta ou naquela urbe, mas a um certo geist que parece predominar em algumas e não em outras. Londres, Nova Iorque e Tóquio, por exemplo, são cidades masculinas - graves, impessoais, sem fricotes. Já Paris, Roma e Rio são cidades femininas - românticas, volúveis, envolventes. Se você já viajou um pouco por aí, sabe muito bem que é assim. As cidades masculinas vieram ao mundo a negócios, donde são mais ricas e poderosas.(...).Já nas cidades femininas, o tempo que se investe na busca do prazer as impede de produzir muito dinheiro - seus homens e mulheres passsam horas sentados em cafés, flanando pelas ruas ou apenas esticados na areia. (...) Mas alguém já contabilizou, digamos, o número de horas-ano que os homens das cidades femininas consomem em virar a cabeça para admirar de soslaio o derrière de uma mulher por quem acabaram de passar? Eis aí uma prática que, com mais ou menso soslaio, o carioca elevou à categoria de arte. E, como toda arte, gratuita: deleitar-se com um par de quadris em acção (e passar adiante, sem convidar a mulher para um drinque ou para um motel) é um ato que não faz parte de nenhuma cadeia produtiva, nem gera um só centavo. É a arte pela arte mesmo. Em compensação, faz com que, por alguns minutos, o dia deles melhore consideravelmente: o do homem, pelo que observou; o da mulher, por se saber observada; e o da cidade, por ser palco desse gesto que deixou duas pessoas mais felizes. Para as cidades de temperamento feminino, isso é suficiente.(...) Daí que, quando se trata de simbolizar plasticamente Paris, Roma ou o Rio, é invitável o clichê de uma imagem feminina e provocante. (...)É rara a semana em que um anúncio, um desenho ou uma foto nos jornais não explore os contornos físicos da cidade, associando-os aos de uma mulher: as curvas do Pão de Açucar e da Urca lembrando a cavidade da cintura e a linha do quadril; o morro Dois irmãos se transformando num par de seios; as luzes da orla de Copacabana sugerindo um colar de pérolas. Pode-se também desenhar um perfil do Rio escrevendo à mão a palavra Amor - sendo o A, em maiúscula, o Pão de Açucar. E por aí vai. Bem, eu disse que era um clichê." De Ruy de Castro, Rio de Janeiro - Carnaval de fogo, integrada na colecção "Outros esritores...outras cidades...", da editora Asa. Um livro belíssimo sobre uma cidade num país onde nunca estive.

2 Comments:

Blogger Pedro Correia said...

Estive agora no Rio. Acabei também agora de ler o livro de Ruy Castro. Tudo se recomenda. Muito.

10:30 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Gosto muito de literatura de viagens. O Eduardo Pitta escreveu um livro encantador sobre Veneza (tb não conheço).
Há alguns livros de viagens a Portugal escritos por estrangeiros no sec. XIX que destroem o país a cada linha (justa e injustamente) que são muitíssimo interessantes.

10:53 da tarde  

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