quinta-feira, janeiro 24

Sem nome


Enquanto o comércio da cidade se enche de saldos, promoções e descontos, deixando antever estabelecimentos que se vão esvaziando a preços módicos, um olhar mais atento deixa-nos ver outras singularidades sem luz nem brilho com as quais nos cruzamos e que, sem querer, ignoramos. Mas elas estão lá, as montras sujas e enxovalhadas de lojas há muito encerradas ou de estabelecimentos que já tiveram melhores dias. Gosto em particular daquele velho barbeiro de porta para a rua, com vitrine escurecida engalanada com embalagens de aftershave que há muito deixaram de ser azuis, frascos de água de colónia com cor desbotada por demasiado tempo de exposição, pincéis da barba que parecem desfazer-se e o pó que se acumula por entre os dentes de pentes assassinos da fibra capilar.

Noutro lugar, um sapateiro certamente sem herdeiros do ofício, enche até cima uma pequena montra com atacadores, protectores, caixas de cera, palmilhas, pomadas variadas, tintas, pomadas e outros produtos que hão-de dar brilho ao calçado ou pô-lo como novo. Há-de desaparecer o cheiro a graxa que sai destes estreitos vãos de escada onde, misteriosamente, cada bota ou cada sapato parece ter o seu lugar.

Mais à frente, o vidro sujo de outra montra deixa ver um balcão vazio, o chão coberto de dezenas de envelopes e lixo acumulado à espera de melhor negócio ou de nova oportunidade.

São casas que já tiveram gente dentro, abandonadas por qualquer infortúnio, produtos fora de tempo ou meramente um sinal dos tempos.

6 Comments:

Blogger Margarida V said...

eu acho uma pena, perder o centro, a baixa. sermos inundados pelas marcas fashion espanholas e perdermos um pouco da nossa identidade.

12:06 da manhã  
Blogger CPrice said...

sinal de um tempo tão diferente .. tão diferente do "aponta na conta Dª Etelvina? A mãe passa no final do mês .." ou do " e o feijão menina? e o grão já o tem? olhe que a avozinha zanga-se se esquece alguma coisa .." .. era a mercearia da Dª Etelvina, uma segunda casa, e eu teria um 6 anos de idade ;)
sem dúvida, um tempo diferente e distante ;)

Bom fim de semana Miss Pearls

10:43 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Que injustiça Miss Pearls... esses pentes, sim eu sei que o aspecto não é o mais glamoroso (risos), não são menos assassinos da fibra capilar que as modernas lacas e os glamorosos gel de cabelo (high tech protection, strong & healthy fixation, e por aí adiante... mais risos nervosos que estou a falar do que não sei). E os melhores pincéis são os gastos. Agora há poucos homens a quem perguntar isso mas digo-lhe eu que nós, os habitués desse velho barbeiro de porta para a rua, estávamos (e continuamos a estar) sempre à espera que o pincel envelhecesse, porque não havia, nem há, melhor barbeado escanhoado... e qual de nós se negava (e nega) àquelas duas massagens... massagens? palmadas faciais com a colónia do frasco de cor desbotada? “Não gostas?... não venhas cá, vai ao cabeleireiro” (risota). Em segredo, é um ver se te avias ao chegar a casa, a lavar a cara de pronto (e às vezes a mudar de camisa) e a trocar a colónia por dois borrifos de Armani ou Mark Jacobs (mas isso entende-se)... A primeira vez que levei o meu mais novo ao barbeiro, acho que ainda não tinha ele dois anos, foi a um desses, ao meu barbeiro. Pena que já não posso fumar na barbearia... sabe que até as cadeiras, aquelas fantásticas, onde nos sentimos reis no trono, num trono de design rétro, têm cinzeiro e tudo? Gostei do seu post. E gosto de a ler. Parabéns.

1:30 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Margarida
Não me estava a referir a local nenhum em especial.O post era sobre situações, não sobre locais.
:)

Once,
Bom fim de semana :)

Obrigada Mike

6:35 da tarde  
Blogger Cláudia [ACV] said...

Gentil e límpido, este olhar. Grande post, querida Miss P.

12:48 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

Obrigada amiga. Se tu o dizes, eu acredito. O teu olhar, esse sim, é sempre gentil e límpido.
Um beijinho
Saudades
Isabel

1:25 da manhã  

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