Dias de chumbo
A rádio não diz, mas aqui da minha janela sente-se o chumbo ao acordar com o céu da Madeira. Indiferente às voltas do dia, foram sempre dias felizes com recantos de saudade.
Dos mil cheiros da ilha, da bruma que nos toca e da manhã que vai tornando claras mágoas suspensas, encontram-se palavras sábias:
“A Madeira fora sempre lugar sem perigos.(…) Em tudo era deliciosa; e, sobre a cidade pousado o capacete de bruma, tinha-se a impressão de que uma voz formidável ia reboar, pedindo aos homens contas dos seus caprichos, que ali pecados não havia.”
“A Madeira tem plantações de romance, como de bananais e vinha jacquet. A Madeira é um rosal sem rosas de destaque especial, que o relevo vai para as hortênsias. Mas é um rosal pela fragância própria, que até a casca da caneleira perfuma o ar. Toda a espécie de ramos verdes são cheiros em que a rosa se intromete. (…)
O jardim, que já nesse tempo a Madeira representava, com os seus bosquetes de cana vieira, com as magnólias gigantes, com as estufas de begónias e de avencas, com as matas de cedros e de louros, parecia-lhe mais do que um ceptro.”*
“Do Funchal trouxe, também, como qualquer viajante que se preze, um ramo de estrelícias, que de chapéus de palha, trazem os turistas e quanto aos barretinhos castanhos dos trajes típicos, a esses, não há judeu que resista. Do Funchal trouxe um ramo de Strelitzia reginae, as flores preferidas de Man Ray.” **
* “Agustina Bessa-Luís – “A corte do Norte”, Lisboa, Ed. Guimarães, 1996
** “João Miguel Fernandes Jorge - Marca, Festival de Arte Contemporânea, Funchal, 3-9 Setembro 1987”, in “As escadas não têm degraus”, Ed. Livros Cotovia, Janeiro de 1989, pag. 147.
5 Comments:
Tenho uma má relação com a Madeira, onde aliás fui pela 1ª vez já tarde, para aí por volta dos 40 anos. Há qualquer coisa entre mim e a ilha, humores e (des)amores, que não liga, que não gera empatia. Um pouco como quando nos falam anos a fio de uma mulher mtº bonita e, depois, quando finalmente a conhecemos não achamos seja assim tão bonita e, muito menos, interessante, e com quem não nos apetece continuar a jantar porque descobrimos não haver nada que nos ligue. Mas nunca fiquei no Reid's, o que talvez ajudasse a mudar um pouco as coisas... Nem fui de hidrovião, que partia de Cabo Ruivo, como me lembro de o meu pai uma vez ter ido e de me trazer cana de açucar c/ a qual fiz um "vistaço" no Liceu!!! Sugiro, contudo, uma visita ao "Artur, Barros e Sousa", na R. dos Ferreiros, produtores dos melhores Madeira que alguma vez bebi. Depois de umas horas de provas e de conversa c/ o Sr. Ernesto e de uns "Terrantez" vetustos, talvez nos apeteça voltar ao imaginado jantar interrompido!!!
JC
que lindas palavras sobre a minha terra, e que linda fotografia, o melhor hotel da minha ilha.
"Um pouco como quando nos falam anos a fio de uma mulher mtº bonita e, depois, quando finalmente a conhecemos não achamos seja assim tão bonita e, muito menos, interessante, e com quem não nos apetece continuar a jantar porque descobrimos não haver nada que nos ligue. "
Compreendo-o muito bem! :)
Mas a melhor varanda do mundo à noite (que eu conheça,claro), melhor ainda que o Reid's, é o velho Hotel Cataract em Assuão, onde foi, aliás filmado um filme da Agatha Christie.
Não sei se é por se estar longe de casa, se é d rio, se é do silêncio, ou de outras causas que não são para aqui chamadas, mas que é um lugar lindo, é verdade,
Margarida,
Temos uma poncha apalavrada, não é?
Beijinhos
Já agora, o filme é "Death on the Nile" baseado no livro do mesmo nome e cuja tradução portuguesa é "O Barco da Morte" nº 4 da "Colecção Vampiro" com uma capa fantástica, como aliás os 1ºs oitenta e tal da dita colecção, de Cândido Costa Pinto, um dos pintores do grupo surrealista português. Vale a pena comprá-los só pelas capas!
JC
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