quinta-feira, abril 6

Coisas (muito, muito) sérias

Vai Uma Sangria?
100 000 desastres desde o início do ano. 24 000 feridos desde Janeiro. 750 mortos, vítimas da violência, da estupidez e da cobardia nas estradas portuguesas. Este ano já morreram mais 70 pessoas que no mesmo período do ano passado. O número de multas por condução sob o efeito do álcool aumentou mais de 22%: em seis meses, foram quase 9 000 os portugueses apanhados a conduzir com álcool. Por que razão os números deste ano vêm inverter uma tendência de descida constante desde 1996? Os responsáveis por este aumento são os chamados consumidores moderados – aqueles que conduzem com menos de 1 g/l de álcool no sangue. Isto acontece desde que os deputados da Assembleia da República decidiram, em Novembro passado, suspender a chamada lei do 0,2 g/l e transmitir aos condutores portugueses a ideia de que, se beberem "um bocadinho", podem guiar à vontade. Muitos deputados julgam que, havendo um milhão de alcoólicos portugueses, o melhor é satisfazer a sua vontade de conduzir embriagados. Acham que é assim que se preserva a cultura portuguesa. Não queremos acreditar que os deputados da Assembleia da República achem que preservar a cultura do copo é mais importante que salvar vidas humanas. Mas como explicar o que se passa hoje nas estradas portuguesas? Todos os dias vemos infracções, asneiras, comportamentos rodoviários criminosos. Todos os dias há atentados ao nosso direito à vida. Assistimos impotentes à violência, à agressão e ao desrespeito generalizado pela lei. E porque não agimos? Porque o Estado monopolizou o direito público de resposta ao crime rodoviário. Porque o Estado assumiu responsabilizar-se exclusivamente pela educação, pela prevenção e pela segurança rodoviária. Mas o problema é que não educa, não previne e não fiscaliza. A polícia e os tribunais não conseguem criar e manter a paz nas ruas e estradas portuguesas. Os governos não conseguem fomentar uma política coerente de segurança rodoviária. E os condutores sabem-no. Por isso, prevaricam e cometem infracções. Por isso, desrespeitam e desvalorizam a sua vida e a do próximo. Continuamos a viver uma guerra civil nas estradas. Mas, perante a generalização da infracção, da impunidade, da violência, o que faz o Parlamento? Desautoriza-se. Demite-se. Os deputados estão há um ano e três meses para discutir quatro medidas legislativas sobre segurança rodoviária, apresentadas depois do desastre de Entre-os-Rios e para discutir uma petição que apela à definição de "crime rodoviário". Está há quase um ano para produzir um livro branco sobre sinistralidade, que sirva de base a uma política extra-partidária de segurança rodoviária. A maior parte dos causadores de desastres, e a maior parte das vítimas da estrada, são jovens, que bebem cerveja e bebidas brancas, e que cedem facilmente à sedução da publicidade dos fabricantes de álcool. Jovens que são sobretudo do sexo masculino, com problemas de afirmação social, com uma agressividade mal contida, totalmente impreparados para uma condução cívica na estrada. São esses jovens que muitos deputados pretendem demagogicamente seduzir, ao permitir que bebam "um bocadinho" ao volante. Alguns desses jovens foram já inutilmente sacrificados, desde que o Parlamento suspendeu uma lei que tinha começado por aprovar sem discussão. Quantos mais jovens vão morrer até ao fim do ano? E qual a responsabilidade moral do Parlamento perante essas mortes? (Ver Cartas de Organizações Internacionais sobre a redução da taxa de alcoolemia para 0,2 g/l.)
Manuel João Ramos, (Correio da Manhã?) 2002

1 Comments:

Blogger Menina Marota said...

Bem... eu não bebo, nem fumo...

... mas conduzo...

Um abraço ;)

2:35 da tarde  

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