terça-feira, março 28

Chá, bolos e laranjada

A minha mãe ou a minha avó diziam-me: "Amanhã vamos à Baixa." A Baixa era para mim uma festa: muitas lojas e as compras na Rua do Ouro, na Rua Augusta ou na Rua da Prata. Toda esta procura passava por um lugar onde só vendiam botões e que me deixava verdadeiramente encantado. Mas o momento verdadeiramente alto era o abandono das compras e a decisão de ir tomar chá. Entrávamos então na Ferrari ou na Bénard e pedíamos um chá e muitas vezes uma torrada, ou então bolos. Os bolos vinham num prato para nós podermos escolher - prática que foi eliminada dada a sua natureza manifestamente pouco higiénica. E havia o chá: só havia um e tinha de ser esse a ser pedido. A lista dos chá não existia. Sempre que surgia uma indisposição, ou o cansaço nos invadia, recorríamos ao chá de tília ou ao de camomila. E com isto preenchíamos a lista dos chás. Era simples e eficiente. "Dê-me um chá" e eles, os empregados de mesa, traziam. Escreve hoje o Eduardo Prado Coelho sobre chás, torradas, bolos e pastelarias clássicas da Baixa. Ou melhor, escreve sobre o “embarras du choix” perante a diversidade de aromas, flores, frutos, sabores e cores com que hoje em dia nos deparamos no simples acto de “pedir um chá, se faz favor”. Confesso que não é assunto que me apoquente porque não sou grande apreciadora. Para combater a má disposição ou ameaços de gripes sou adepta da casquinha de limão e nada melhor para matar a sede do que chá gelado. Fora isso, conheço do chá o que vem nos livros e pouco mais. Mas à semelhança do EPC, a ida à Baixa com a minha mãe era um ritual que tinha tanto de festivo como de excitante e que exigia algum cerimonial, até porque era sempre uma novidade por vivermos longe. A minha mãe pegava em nós (mulheres) e lá íamos de eléctrico ou de autocarro, sempre na parte superior por causa das vistas. Depois da Loja das Meias, da Materna, (?) dos Porfírios e da Polux, um Sumol, um duchaise e um esquimó na Suiça. E uma caixa para levar para casa. Sempre que vou à Baixa ainda lá entro, procuro algum empregado antigo e peço um destes bolos. Agora só um. Mas já nada tem o mesmo sabor. As saudades têm um sabor amargo.

15 Comments:

Blogger pimpinelle said...

mas bom.

8:34 da tarde  
Blogger Eurico de Barros said...

Miss Pearls, deve ser a única pessoa que eu conheço que ainda lê o EPC... :-)

9:30 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Eurico,
Leio as crónicas dele sobre S. Martinho do Porto e esta agora que me cheirou bem :)
De resto, confesso que não leio até porque a minha ignorância em determinados assuntos me impede de as perceber.

9:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Dear Miss Pearls,

Já algures lhe confessei a minha admiração assídua e antiga, por estas suas 'pérolas' e 'perfumes' diários. Que nunca aqui cantei só porque a artrite traz mais dôr à idade avançada destes meus dedos.

E que só hoje canto, por me ter trazido à memória o sabôr dos 'éclairs' da Bénard, dos 'duchaises' da Marques, e dos 'scones' da Caravela. Era com a minha Avó, que me achava o único neto capaz de lhe acompanhar o passo ligeiro. E com a minha Mãe e a minha Irmã que se nos juntavam para o chá, que para os miúdos era um copo de leite. São as memórias que também me trazem as muitas fotografias que ficaram daqueles fotógrafos que nos esperavam à saída do autocarro nos Restauradores. Mas contràriamente ao EPC, para mim, a Ferrari nunca existiu.

Lembro-me bem dos tecidos do Souza e do Paris em Lisboa. De ficar sentado no meio dos vestidos, enquanto a Avó ia ali ver uma 'coisas' (eu sabia que eram os 'soutiens'), no Último Figurino. De ir fazer umas compras lá pr'a casa no Martins & Costa. Ou, ir ver uns tachos na loja que ficava na esquina oposta ao Último Figurino (vá rapazes, ajudem a minha memória!).

Disto tudo me lembro, Miss Pearls, mas o que mais me recorda são as passagens de modelos de chapéus no Príncipe Real. Onde nunca me lembro de ver outro menino. Ou menina. Eu estava ali só porque a minha Avó queria ir acompanhada. E eu era o único neto que a acompanhava sempre, sem dizer jamais que estava cansado. Foram tantas vezes, que é difícil esquecer. Mas só não percebi por que a minha Avó não me levou a uma passagem de modelos de vestidos. Nunca. E eu queria tanto. Porque ouvia dizer que as raparigas eram lindas.

Talvez por isso a minha vida não foi só de economês, acções, CGD, e assim. Também já foi de pérolas e perfumes.

E hoje devo-lhe a si, Miss Pearls, ter-me roubado a dôr de escrever.

Muito obrigado.

F

9:15 da manhã  
Blogger M Isabel G said...

F,
Seja sempre bem-vindo.

11:07 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

... gostei do seu texto e do enigma da 'caixa para levar para casa'. Não desvende o que levavam nela - assim está bem.
E quanto ao EPC,

MJE

12:56 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

A miss pearls nostálgica?! Ofereço-me já para combinarmos um cházinho à escolha entre os vários da família Marriage Frères (Paris) na Raposa, Vila de Sintra, e reconciá-la assim com a beleza Presente. Porque o futuro, esse, a gente sabe a quem pertence :)

1:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Dear Miss Pearls and so on:
Lamento o "desmancha-prazersismo" mas chá (cammelia sinensis), em Lisboa, bebido fora de casa, é disgusting. 1º, porque é sempre de saquetas, que é quase como beber "nãoéscafé"; 2º, porque, em termos de marca a escolha se fica (quase) sempre entre Lipton e Lipton, o que ainda piora as coisas; 3º, porque a única alternativa ao chá preto "puro e duro" é normalmente, apenas e só, a mistura "earl grey" (e não "earl green", EPC, e que é chá preto e não verde, ao contrário do que v. diz), oferecida por um chinês ao "dito", antigo ministro inglês. 4º, porque não há "double cream" para os scones nem sanduiches de salmão. 5º, porque quem põe açucar no chá (não é o meu caso) se vê obrigado a recorrer a um açucar branco indistinto em vez dos cristais de açucar apropriados (ou, vá lá, açucar demerara). Quanto à "baixa" (ou melhor, ao Chiado), enfim, ainda vão resistindo a Bertrand a Piccadilly a Brasileira e a Benard. Mas, para não acabar de forma mtº negativa, vão a uma boa loja de chás (não tenham medo, não os vou mandar ao Fortnum & Mason, talvez ao El Corte Inglés) e comprem uns gramas de Lapsang Souchong. Façam em casa a acompanhar umas sanduiches de salmão com pepino ou de camarões com mayonnaise e depois vejam, por exemplo, "Portrait of a Marriage" da BBC. Ou então vão ao baú buscar um livro dos "Cinco". Then, u can call it a day!!!

JC

1:55 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

João,
Então temos que combinar. Já não entro em Sintra há séculos.
E posso comer um travesseiro? :)


JC,
"Lapsang Souchong"? Está bem

"Façam em casa a acompanhar umas sanduiches de salmão com pepino ou de camarões com mayonnaise e depois vejam, por exemplo, "Portrait of a Marriage" da BBC. Ou então vão ao baú buscar um livro dos "Cinco"."
Costumo fazer mini-sanduiches disso tudo, com uma azeitona por cima.
E lembro-me bem dessas sanduiches que os cinco levavam nas suas aventuras. Sempre me pareceram deliciosas :)
Obrigada pelas suas sugestões. Em querendo, escreva qualquer coisa sobre isso, que eu edito (no caso de não ter um blog, claro) :)

2:21 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tire a azeitona... Não está lá a fazer nada.

JC

2:46 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Excelente, vamos combinar via mail e dizemos também ao misantropo. Há travesseiros da Periquita, queijadas da Sapa, scones com geleia de chá ou natas ou doces diversos e um bolo de noz que é uma maravilha mas, quando vamos comê-lo, já estamos a abarrotar :(

2:46 da tarde  
Blogger Cláudia [ACV] said...

Por falar em chá, o "Chá do Carmo" ainda está aberto? Tinha uma carta de chás (Marriage Frères incluídos) que era gosto.

3:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

MP, ACV, JV:
Para lanche com chá, bolos, sanduiches e scones, recomendo, sempre, o Basil Street Hotel, um hotel familiar em Knightsbridge, onde se pode tb ficar alojado. Fica mesmo por detrás do Harrods onde pode tb comprar chá para trazer. No entanto, por causa do Al Fayed, recomendo antes, para comprar, o Fortnum & Mason ou a Twinings. Vá lá, meus caros, com os voos low cost não sai assim tão caro!!! E, Miss Perls, pode sempre tentar comprar umas edições originais dos "Famous Five". Eu comprava-os na Livraria do DN, que existia no Chiado onde hoje é a Hermés; era uma "excita" sempre que se olhava para a montra e tinha saído um novo. Saíam quase sempre durante as férias de Natal, Páscoa e etc.
All the best!

JC

4:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como dizia o Príncipe Orlovsky, "chacun a son goût" ("Die Fledermaus").

E, se em geral os chás do Fortnum & Mason (que durante os próximos dois anos só se podem comprar no aeroporto) são superiores aos do Harrod's. Tenho que vos confessar que o chá do Browns Hotel (off Piccadilly) bate o do Basil Street ou mesmo o do Capital (mesmo ao lado).

9:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu cá em Londres, bebo só cerveja e «whisky», lamento. Chá, é em casa, e quando estou mal disposto. «Good grief!»

2:08 da manhã  

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