domingo, fevereiro 19

Talvez sexta-feira fique na Granja, a respirar o ar puro da verdade social que ali constantemente circula Carta a Oliveira Martins, 1884 [A praia da Figueira] é um contraste vivo com a linda Granja, que logo a seguir emerge, de entre os pinhaes. Aqui tudo é pautado, discreto, cheio de diplomacia. Os seus chalets, muito elgantes, só acordam á 1 hora da tarde. Toma-se banho ás duas, com pouco barulho e muitos cumprimentos. Almoçam-se coisas francezas ás tres. Ás quatro vae-se para o pinhal, de luvas, e vestidos de seda. Conversa-se bem, ri-se baixo, e joga-se o Tennis, sem se fazer batota... Ás sete jantam-se outra vez coisas francezas, e fuma-se um havano puro. Ás nove vae-se para a Assembléa, em smoking, dança-se com extremo chic, organisam-se bals de têles e contillons, e namora-se com suprema linha. Á meia noite recolhe-se tudo, depois de um aperto de mão muito diplomata, e nós seguimos o nosso roteiro para o norte... Aqui vem desembocar o Douro. Estamos em frente da Foz. A Foz é o Pedrouços do norte. A poucos minutos do Porto, tanto em carro electrico como em carro a vapor, é como que uma continuação da rua de Santo Antonio. Na sua alameda sobre a barra, ou na sua alameda sobre o mar, o que se encontra hoje é o que se encontrou hontem a fazer compras na Praça Nova e a namorar no S. João. Apenas aqui, o Porto é mais dado, apparece mais, conversa mais, joga, dança e organisa festas. É o mesmo recheio com outra côdea... Segue-se, a poucos minutos, depois de um descampado, Mattosinhos, a conhecida praia que o portode Leixões encaixoteou, mas que os antigos frequentadores não abandonaram, patriotica e heroicamente resolutos... É frequentada pela mesma gente que a Foz; é traçada em esquadria, á marquez de Pombal, tem uma boa Assembléa de sala circular, dois cafés com hespanholas cantando peteneras; e uma alameda sobre o rio Leça, onde, ao som de uma banda, aos domingos e quintas, o Porto masculino e feminino passeia e suspira, em redor de uma estatua de Passos Manuel, vestido de caixeiro de loja de modas, para mal dos seus peccados! Do outro lado do rio branqueja Leça da Palmeira [continua] Brasil de Portugal, 1901

2 Comments:

Blogger Sergio Barroso said...

Há dias, no princípio do Verão, fui de propósito à Granja tirar umas fotografias e cheirar aquilo a ver se ainda é como era. Já não é, pois claro. Mas ainda nos lembra do que foi mesmo que da Assembleia já pouco reste. No meu caderninho de notas registei: “Interclassismo à portuguesa. Enquanto houve uma elite endinheirada e qualificada fez-se a Granja, com malha certinha e chalets de arquitectura notável. Quando o dinheiro chegou a todo o lado e a elite nacional passou a ser um somatório de bimbos, o país ganhou contornos de surrealismo.” Gostei novamente de lá voltar com essa oportuna carta.

1:37 da tarde  
Blogger M Isabel G said...

Este artigo sobre as praias portuguesas, Pedrouços, Algés, Estoril, PArede, Cascais, Ericeira, S MArtinho, Figueira, Vila do Conde, Moledo é muito curioso.
Afinal não foram necessários assim tantos anos para destruir estas paisagens.
Uma grande pena.

2:31 da tarde  

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