domingo, janeiro 15

Fim de tarde (VI)

Tinham sido apresentados há alguns dias em casa de amigos comuns mas não tinham trocado mais que meia dúzia de palavras de ocasião. Encontraram-se os dois, de novo, numa inauguração daquelas coisas de que não se gosta praticamente de nada, mas das quais se têm que dizer umas amabilidades. O artista era um antigo colega do liceu, na altura nada promissor, mas se calhar era ela que não percebia nada de pintura. O fim de tarde naquela galeira até estava animado. Havia gente com pouco em comum, mas o que interessa? Um aborrecimento, conhecer só pessoas com vidas semelhantes às nossas. A Sara é uma pessoa agradável, gentil, "sabe estar" (como uma vez lhe disseram), não fala alto e tem conversa para todos, para quem gosta e para os que nada lhe dizem. Talvez por isso, aquele rapaz que já a conhecia vagamente, lhe monopolizava o tempo, a conversa e a paciência. O paleio de sempre, o trabalho (muito), as viagens (longe), a carreira (importante), as saídas (deslumbramento), o estatuto (maravilhoso) mas que a vida pode ser solitária (grande novidade). A Sara lá ia acenando a cabeça, que sim, que devia ser cansativo, que fantástico, emprego fascinante, praias lindas, comida fabulosa, condomínio agradável, pois, é mais seguro, não conheço, já li sobre isso, conheço alguém que trabalha aí, pode ser um gin tónico, obrigada mas tenho ainda que terminar um artigo. "Contigo, nem ao Pingo Doce, quanto mais jantar. Sonso", pensou ela. Despediu-se do artista amigo, das outras pessoas que conhecia e saíu. Naquele fim de tarde, ainda precisou de algum tempo para se libertar dos egos alheios.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

temos novela em andamento?

2:55 da tarde  
Blogger Pata said...

As empatias surgem naturalmente. E quando não às há...quanto mrenso contacto melhor. Às tantas até cria faísca

4:18 da tarde  

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