segunda-feira, outubro 20

Quente & Frio

Pelo menos duas vezes por ano toca-se a rebate e, apesar da habitual resistência dos residentes, há um ritual que tem que ser cumprido, um novo ciclo do vestuário. Com a mudança de estação arrepia-se o orçamento, mudam-se gavetas e substituem-se cruzetas. Bem sei que há armários do tamanho de salões de baile, com divisórias para todas as estações, organizados com eficácia de A a Z, dividos por ocasiões, cores, texturas ou, quem sabe, por estados de alma, e maravilha das maravilhas, raramente arrumados pelos seus proprietários. Claro está que o comum dos mortais recorre ao método económico, vulgo caixas em prateleiras, debaixo das camas, ou em arcas tamanho familiar.
A tarefa exige sangue frio, coragem, despreendimento e mão firme. É raro o ano em que não nos confrontamos com as mazelas do presente, com as incertezas do futuro e os caprichos do passado. Foi o corpo que mudou e talvez não volte a ser o mesmo, a peça de roupa que nunca se sabe se voltará a ser usada (nunca é) e haverá sempre uma ou duas desgraças que nos levam a pôr em causa a saúde mental em que nos encontrávamos na altura. Já se sabe que é uma cena recorrente e, como tal, não se deve levar a mal.
Só a sensatez da idade põe cobro a desvarios caprichosos, insanidades e inutilidades: se está em bom estado guarda-se, se não está, paciência. O problema, se assim se pode dizer, está nos critérios de "bom estado", quase sempre objecto de negociação, compromisso e de contabilidade orçamental.
No final, o resultado não é o mais animador, mas cobre-de de cânfora e espera-se por melhores dias.
fotografias daqui e daqui
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